5. Rádio Silêncio

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NÃO HAVIA PROBLEMA ALGUM com as paredes do quarto de Nick, exceto pelas marcas de garra que o garoto havia escondido da mãe durante dias; ele só precisava de um motivo plausível para pintá-las de outra cor, e arranjar um novo sítio para a sua cadela Nellie.

     A Nellie conseguia enxergar Nick através do lobo, porém ela também enxergava o lobo através de Nick, e o atual relacionamento deles desencadeou uma leve preocupação nos garotos; a cadela não partilhava o mesmo cômodo que Nick, ladrava bastante e por vezes se recusava a entrar em casa; Charlie foi o primeiro a se oferecer para tomar conta dela até Nick aprender a controlar o seu lobo, mas para isso precisariam de uma desculpa muito convincente para tirá-la de casa. Nas semanas que sucederam a estadia de Nellie na casa de Charlie, Nick ganhara um novo quarto, enquanto o seu estava em reforma, e os pais do amigo tiveram que lidar com o animal.

     — Não precisa se preocupar — pediu Nick, quando Charlie viera buscar Nellie — Se os seus pais não gostarem da ideia...

     — Meus pais não gostam de animais, isso é fato — concordou Charlie, segurando as suas mãos — Mas eles dão conta. A Nellie é muito importante para você, então... Será muito bem tratada, está bem? Chegamos num consenso? — o garoto balança gentilmente as mãos do amigo, tentando animá-lo. Nick parecia desanimado há semanas.

     Nellie não o amava mais?, ele pensava. Não entrava mais no seu quarto, nem respondia a ele. Nada.

     Nick enfim concordou com Charlie, fazendo que sim com a cabeça, cedendo aos sorrisos de Charlie. Ele o beijou, delicadamente. Nick gostava de beijá-lo.

     — Consenso — repetiu, afastando os seus lábios do dele, ainda os observando.

     — Acha que estás pronto para voltar? Digo, a escola pode esperar se...

     — Por Deus, não! Preciso voltar... Obriguei minha mãe a jogar Mario Kart comigo durante o recesso — diz o garoto — Não quero perder para ela outra vez!

     Charlie riu.

     — Não é como se toda a gente soubesse que sou um lobisomem, pois não?

     — Por favor, não repita isso em voz alta!

     — Lobisomem — brincou Nick — Lobisomem. Lobisomem. Lobisomem.

     Irritado, Charlie puxa o casaco de Nick e o beija lentamente, fazendo o garoto calar a boca. Depois disso, despediu-se e levou Nellie para casa. Na saída, a Sra. Nelson agradecera por sua gentileza.

     Nick chorou quando viu Nellie seguir Charlie, feliz. Nunca haviam se separado...

     — Ele é um bom rapaz, o Charlie. Não é, Nicky? — perguntou a mãe, logo após a saída de Charlie. O garoto assentiu — É muito prazeroso vê-lo ser você mesmo ao lado dele.

     Nessa mesma noite, Charlie encheu o celular de Nick com fotos da Nellie; a sua chegada, o primeiro contato com seus pais, com Tori, com o sofá... Os dois riram bastante de tudo aquilo.

     No primeiro dia de Nick na escola após o feriado, ele havia beijado Charlie. Estava confiante. Mas os dias que seguiram sua semana de treinamento, quando Charlie o ajudou a controlar suas habilidades e impulsos, pareciam insuportáveis. Agora, ele despedia-se de Nellie por um bom tempo.

     O que mais ele teria de sacrificar?

     O que mais Charlie teria de sacrificar por ele? Não tinham muitas notícias de Elle, nem de seus pais. Para Nick, isso era culpa sua.

     — Como está se sentindo? — perguntou Charlie, durante o horário do almoço do dia seguinte — Nervoso? Está bem mesmo?

     As suas mãos se encontravam por debaixo da mesa. Os antigos amigos de Nick ainda o encaravam, enfurecidos.

     — Estou — mentiu.

     Charlie não teve tempo de repreendê-lo por mentir. Ouviu a voz de Aled Last anunciar o começo de mais um programa; as suas próximas palavras não agradaram muito os meninos.

     — Bom dia, bom tarde ou boa noite, estudantes do Truham. Essa é a Rádio Silêncio. Espero que alguém esteja me ouvindo. Hoje, falaremos sobre um assunto muito importante, algo que vão querer adicionar em suas listas de coisas para se importar: nós estamos sendo observados, há criaturas entre nós — dizia.

     E continuou o seu monólogo durante um tempo, mas Charlie só conseguia pensar em Nick, em Ben, em Elle... e Aled estragaria tudo se continuasse falando, e não era do seu feitio falar demais.

     — Criaturas assombram a nossa cidade, o nosso país, o nosso mundo há séculos, talvez mais. E eu já os vi. E são como nós... Portanto, falaremos sobre eles hoje. Os outros.

     Charlie largou a mão de Nick imediatamente. Precisava ter uma conversinha com Aled Last.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora