9. Confiar

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DURANTE OS DIAS QUE SUCEDERAM as descobertas de Elle e Tao, Charlie utilizou o tempo livre entre as aulas para ajudar — e treinar — Nick, que piorava a cada dia. A lua cheia estava muito próxima.

     A dupla Tao e Elle descobriu uns livros antigos na loja de antiguidades, alguns sobre feitiços, artes obscuras e sobre seres fantásticos. No meio deles, um livro sobre licantropia. Em latim. Teria sido muito fácil traduzir, caso nenhum dos dois tivesse problemas com uma língua antiga — e, por ser um livro velho, algumas palavras poderiam ter outros significados caso traduzissem usando a internet. Sem as habilidades necessárias, ficaria tudo mais difícil.

     Nick e Charlie tiveram um pouco mais de sorte, por assim dizer. A mãe de Nick não o castigou por ter faltado alguns dias de aula, pois seu álibi fora uma constipação irritante que não passava de jeito algum — e uma repentina ansiedade social por conta da pressão exercida pelo time de Rúgbi. Enquanto estavam na casa de Charlie, sendo acobertados ocasionalmente por Tori, podiam relaxar um pouco mais; os pais de Charlie não costumam parar em casa durante a semana; foi durante o fim de semana que as sessões de treino (respiratório e cognitivo) e exercícios de relaxamento encontraram uma certa dificuldade.

     Os pais logo, logo começariam a suspeitar dessa aproximação constante e repentina. De repente, viraram "Nick e Charlie", a dupla inseparável, coisa que até Tori Spring não conseguira explicar.

     Na sexta-feira, mais próximo do aniversário de Harry Greene e do feriado, a mãe de Nicholas pediu para que o filho não saísse de casa. Não foi uma tarefa muito complicada, pois passaram o dia em casa — e a Sra. Nelson adora jogar Candy Crush, portanto não incomodou o filho com perguntas e afins.

     No quarto, entocado e escondido da sociedade, Nick teclava "oi" para Charlie. Mas não conseguiu enviar sua mensagem. Mensagem essa que, apesar de simples, havia sido reescrita duzentas vezes. No fim das contas, Nick enviou assim mesmo um "estás aí?" para Charlie; o mesmo respondeu com um "sempre", junto de um emoji piscando, bastante sorridente.

     Charles Spring estava apaixonado por Nicholas Nelson. Essa é a verdade. Durante o tempo que passou sozinho no quarto, ouvindo o som da conversa entre o silêncio e seus pensamentos, pôde comprovar a teoria de que faria tudo pelo amigo; ele não precisava se preocupar com um lobisomem aos quatorze anos de idade, muito menos correr um imenso perigo de vida, mas o faria mesmo assim. Charlie sempre foi conhecido por colocar as necessidades dos seus amigos e familiares acima das dele, e jurou não fazer isso mais vezes (ele tenta, sempre), mas naquele caso era diferente. Não enxergava sua vida sem Nick.

     O garoto que fora gentil.

     O garoto que o incluiu no time sem questionar.

     O garoto que o ajudou com o lance do Ben Hope.

     Passaria horas citando os momentos nos quais Nicholas Nelson fora importante; o que mais importava para ele era tê-lo ali, ao seu lado.

     Então, mesmo quando Charlie não recebera um "obrigado" em resposta, sentiu-se bem consigo mesmo. Fizera a sua parte. Esperou um pouco mais por uma mensagem de Nick, mas não a recebeu. Ao invés disso, alguém batia na sua janela. Infelizmente, era Ben Hope.

     — Ben?

     — Abre a janela, Charlie. Eu só quero conversar.

     — Por que eu faria isso?

     Ele suspirou, irritado, tentando não transparecer: — Abre aí. Por favor.

     Charlie então o fez, mas hesitante. Enquanto abria a janela, olhou bem fundo nos olhos de Ben e o analisou: parecia cansado, de ter corrido quilômetros, e ofegante. E fedia. Nada fora do normal, considerando que apenas as suas atitudes fediam a estrume. Um garoto com a sua beleza não deveria ser tão podre, mas Ben é o tipo de garoto que pagaria para ser um pouco mais otário.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora