3. Garotos

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AINDA NA ESCOLA, CHARLIE ouvia um anúncio importante ser transmitido ao vivo pela Rádio Silêncio; ela seria comandada por outro aluno agora, um do seu ano.

     Era a voz do diretor Barnes que proferia o discurso de que a rádio precisava tomar novos rumos, e novos locutores seriam necessários para atender a demanda: o próximo locutor seria Aled Last, quem sempre desejou ter um podcast próprio. Não era uma novidade bombástica, tendo em vista que Aled criou a Rádio Silêncio — mesmo com os idiotas que faziam parte da rádio afirmando que eles "criaram" o nome —, e o mesmo participava uma duas vezes ao mês.

     Durante esses dois dias do mês, Charlie ouvia feliz aos anúncios da Rádio Silêncio, porque ele e Aled sempre tiveram uma relação de amizade bastante sincera. Mesmo que não se falassem o tempo todo — pois Aled não é muito de falar —, os dois se cumprimentavam durantes as aulas, pelos corredores e trocavam algumas mensagens.

     Mais tarde, depois da aula de história, Charlie o congratulou pelo título de novo locutor da rádio. O garoto sorriu, contente.

     — Obrigado — respondeu, timidamente.

     Além disso, Charlie recebera mais notícias de Elle; a garota enviara mensagens ao amigo, tristonha por estar de castigo; Elle jurou não contar sobre Nick e todo o resto para os pais, não até estarem certos de que seria uma boa ideia. Só que Elle também não havia contado ao Charlie sobre Ben, e não saberia como e por onde começar.

     O garoto foi para casa mais cedo. Despediu-se dos amigos ainda com as abas no navegador sobre acônito, lobisomens, e outras coisas que seriam importantes para Nick, bem abertas; em casa, já no quarto, deitou-se no chão, cheio de pensamentos.

     Não conseguia se livrar dos pensamentos que envolviam Nick Nelson ensopado por causa daquela manhã chuvosa, dentro do seu quarto, com aquele olhar de "sinto muito".

     Fechou os olhos e voltou no tempo, quando guiou Nick para o seu quarto, molhando o carpete.

     — Me desculpe — começou ele. Nick estava de pé bem na sua frente, sem saber o que dizer — Me desculpe por ter beijado você, é que... é que eu...

     — Charlie.

     — Não, foi estúpido! Eu deveria ter feito algo! Devia ter ajudado a pegar aquele monstro que fez isso com você, e... E eu nem sei se você queria mesmo ter feito aquilo... Eu fui tão estúpido!

     — Charlie! — Nick tornou a interrompê-lo, tocando no seu rosto. Ele possuía as duas mãos molhadas no rosto de Charlie, e o encarava bem no fundo dos olhos. Depois de um tempo, mudou a atenção para os seus dedos polegares... e no quão perto estavam do rosto de Charles Spring, o seu melhor amigo.

     Nick gostava de Charlie, e gostou de tê-lo beijado. Ele queria isso. Ele quer isso.

     Acariciou as suas bochechas, tocou suas covinhas e aproximou-se, bem devagar. Pôde ver o momento exato em que Charlie fechou os olhos, pois sabia que estavam destinados a isso. Dois garotos genuinamente apaixonados.

     Beijaram-se lentamente, sentindo o calor irradiar de seus corpos. Nick estava molhado, os seus lábios estavam gelados, mas a respiração era quente e reconfortante. Charlie deu paz a si mesmo quando percebeu que Nick estava bem ali, no seu quarto, são e salvo, sem arranhões.

     — Eu... — disse Nick.

     — Você...

     — Eu sou um lobisomem — ele riu — Eu sou...

     — É — Charlie concordou — É, você está muito encrencado!

     Nick deu uma risada sincera.

     — EU DEVERIA ESTAR TENDO UMA CRISE GAY INTENSA AGORA, CHARLIE! — ele riu, mesmo com sua expressão sendo de desespero naquele momento — Eu... eu não sei o que sou. Digo, eu queria beijá-lo...

     — Um dia de cada vez, OK? Primeiro, preciso saber se está bem. O que houve depois do bosque?

     — Lembro de ter corrido, e isto é só o que me lembro — confessou Nick — E de beijá-lo. Mas... Porque me beijastes?

     — Devo ter visto em algum lugar que — começa Charlie — Que ajuda prender a respiração durante uma crise.

     — E ajudou. Fiquei concentrado. Como?

     Charlie sorriu: — Prendeste a respiração quando eu o beijei naquela noite, pois não?

     — Sim. Estava nervoso.

     — Hoje, não.

     — Sim...

     Os dois sorriram. Charlie aproximou-se de Nick e o beijou novamente, pressionando os lábios um pouco mais sobre os dele. Depois, o abraçou.

     — O que faremos?

     — Sem mais planos idiotas! Sem mais... sem mais perigos. Não posso simplesmente matar essa coisa! Precisamos...

     — Os pais da Elle, eles são uma ameaça. E há a escola. Os teus amigos. A tua mãe. Mas daremos um jeito!

     — Os meus amigos são a Elle, o Tao, o Isaac e tu — disse Nick, decidido.

     — Tens ao Otis. E o Sai, o Christian. A Imogen, a Tara Jones, acho que... acho que o nome daquela outra garota era Darcy. Elle me contou delas. A questão é... Estamos do teu lado.

     Nick acenou com a cabeça, concordando: — Verdade.

     — Podemos mudar a nossa estratégia. Podemos treiná-lo, por enquanto, para que não percas o controle, e... para que possa contar para as pessoas mais próximas o que quiseres. Devemos ganhar a confiança daquela coisa — sugeriu Charlie.

     — Confiança?!

     — Sim, confiança. Estás na matilha dele, não estás? De alguma forma, ele precisa de vocês. Portanto, podes tentar ganhar a confiança dele... Assim, vamos pegá-lo de surpresa.

     Nick concordou, mas não antes de questionar um detalhe: — Vocês...?

     Charlie quase ia esquecendo; Nick não sabia de Ben Hope.

     — Há algumas coisas que precisas saber — confessou o garoto — Mas agora...

     — Posso ficar aqui? — pediu Nick — Minha mãe acha que dormi na sua casa.

     — Claro.

     Nick sorriu, contente.

     — Você... você gosta de mim?

     — Ah, achei que já tivesse entendido — admitiu Nick.

     E se abraçaram por um bom tempo, rindo à toa.

     Charlie guardaria essa memória para sempre.

     No dia seguinte, Nick e Charlie sentaram-se juntos, como sempre faziam, rindo um para o outro. Desde que estivessem juntos, nada seria impossível; agora, eram dois garotos oficialmente apaixonados.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora