2. Maldição

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BEN HOPE PERMANECIA SOB OS CUIDADOS da família Argent; para ser sincero, era Elle quem cuidava de Ben e seus ferimentos incuráveis ("São de um alfa" explicavam para ela, "Vai levar um bom tempo assim"), o que irritava a garota profundamente.

     A pobre Elle fora forçada a mentir para o seu melhor amigo, faltou à escola, e a única pessoa com quem ela podia conversar era o Tao, que também andava meio sumido. Desde que Ben entrou na vida de Elle, à beira da morte, cambaleando pela sala, tudo virou de cabeça para baixo; ajudar Nick e Charlie com a sua questão sobrenatural, ser uma expectadora, parecia o certo a se fazer, porque Elle adora ajudar os amigos, e sente-se muito bem com isso, mas ser de uma família de caçadores e ter que mentir para os amigos não estava nos seus planos.

     Esta noite, Elle ficou encarregada de tratar dos curativos de Ben. Ele não gostou muito da ideia. Nem ela.

     — Ai — ele praguejou um pouco.

     — Fica quieto.

     — Com você cuidando de mim, pensei que seria mais fácil me odiar um pouco menos.

     Nos primeiros dias, os pais de Elle não permitiram que ela se envolvesse. Mas a sua vontade era de não ouvi-los, questioná-los, odiá-los por terem mentido para ela, era de fazer tudo, menos seguir suas ordens. Era como se traísse o Charlie, ou o Nick, que fora amaldiçoado.

     Quando olhava para Ben, sentia um enorme enjoo. Queria contar tudo aos amigos, mas os amigos correriam um grande perigo. Seus pais a fizeram prometer que a garota não contaria coisa alguma:

     — Há caçadores que farão de tudo para caçar qualquer criatura sobrenatural que exista. Não importa qual seja o nosso código, nossos valores... Deixe-nos lidar com isto — implorou a mãe. Elle assentiu, espiando Ben ser tratado por seu pai.

     — Farei isso pelo Charlie. E pelo Nick.

     Com o passar dos dias, suportar Ben ficou mais... "aceitável". Ele era um encanto perto dos seus pais, mesmo eles não fazendo questão de socializar com um lobo, e um tremendo idiota com Elle, apesar de não destratá-la. Ao invés disso, o garoto fazia de tudo para fazer piadinhas de mau gosto.

     Enquanto Elle limpava a ferida de Ben, segurava o riso todas as vezes que ele gemia, apesar de detestar essa sensação. Ser machucado desse jeito... Elle não desejaria essa dor à pessoa alguma.

     — Estou cuidando de você, Ben, mas não somos amigos — disse Elle.

     Depois de uns minutos em silêncio, sentados na cozinha, Ben vira o rosto para o lado oposto do de Elle, dizendo: — Me odeia mesmo, não é?

     — Odeio o que você fez ao Charlie — ela disse, quase que automaticamente, como se Ben tivesse entrado em sua casa e espancado a sua família — E ao Nick. Acho que não fostes sincero contigo.

     — Esquece.

     — Por que o odeia?

     — O Charlie? — Ben ergue a sobrancelha. Ele fica em silêncio, a expressão no rosto do tipo "Essa pessoa significa nada para mim", mas não é bem verdade — Eu acho que não conseguiria odiar Charles Spring mesmo se tentasse muito. Acho que ninguém conseguiria.

     Elle concordou, sorrindo.

     — Mas eu o odeio. Nicholas.

     — O Nick? — Elle parece surpresa, mas nem tanto, pois Nick e Ben eram do mesmo convívio social. Agora, já não são.

     Ben despeja toda a sua raiva no que diz, como se desabafasse sobre algo que o consumia há anos: — Ele faz tudo parecer mais fácil. Tão doce, tão... Vejamos, é jogador do time de Rúgbi, um bom filho, um bom namorado, um bom garoto. No fundo, eu apenas senti inveja. E senti raiva... Foi por isso que eu fiz o que fiz.

     Elle enrijeceu.

     Uma confissão de Ben Hope.

     — Claro, fui forçado a passar isso (ele ergue o ombro, falando da maldição) adiante. Pessoas iriam se machucar, caso contrário. Mas eu queria que ele sentisse dor. Eu queria que ele sentisse... Tudo. Sei que os seus amigos sabem como parar isso, como parar o alfa.

     Ben observa Elle, esperançoso.

     — Nós sabemos como parar isso, sim. Precisa ser o Nick, o último amaldiçoado. Não são os caçadores, não somos nós... Nick precisa matar o alfa.

     — O Nick? Uhm... Salvo pelo Nicholas Nelson, quem diria! — riu o garoto, debochado. Elle havia terminado.

     Os dois se entreolham. Ben quer dizer alguma coisa, talvez um "obrigado", ou não, apenas mais uma piadinha, mas Elle o interrompe assim que o garoto abre a sua boca:

     — É. Nicholas Nelson vai salvar a sua bunda branca.

     Dito isso, levantou-se e enviou uma mensagem de texto para Tara. Esta é uma noite de lua cheia. Tudo pode acontecer.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora