4. Alerta

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TAO XU VESTIA O SEU CASACO de guerra hoje — é como Isaac chamava o casaco de lã azul do Tao, aquele que o garoto costuma usar quando fica irritado logo pela manhã, antes da escola, ou quando recebe uma mensagem inesperada de Charlie no meio da madrugada.

     O garoto acordou às quatro horas da manhã, esfregou os olhos e deixou cair uma pilha de livros antigos, uns que havia pedido emprestado de Elle, da sua cabeceira ao tentar pegar o celular que vibrava. Eram as infinitas mensagens de Charlie, querendo conversar sobre algo muito, mas muito sério mesmo — ou assim ele esperava que fosse.

     Antes de mais nada, revirou os olhos e deixou pra lá. Adormeceu com o celular sobre o peito coberto.

     Na manhã seguinte, tomou o pequeno almoço e despediu-se da mãe bem depressa, ainda um pouco mal-humorado; ele havia perdido o horário de acordar, porque não ouviu o despertador, o celular deve ter escapado para debaixo das cobertas, e não conseguiu encontrar com a amiga Elle antes de irem para a escola. Tao e Elle não estudavam mais na mesma escola, pois Elle fora transferida para o Higgs, uma escola apenas para garotas.

     O garoto sentia a sua falta.

     Quando Tao avistou Charlie, sentado numa mesa próxima ao refeitório da escola, ativou o modo vigilante e dirigiu-se até ele, o olhar penetrante.

     — Quatro — disse ele.

     — O quê?

     Tao dá um tapa no ombro de Charlie: — Quatro da manhã, pelo amor de Deus! Eu perdi o horário. Não li as mensagens da Elle!

     — Sinto muito. Preciso conversar com você, urgente, sobre algo... sobre algo importante!

     Tao franze a sobrancelha: — É um ótimo começo. Desembucha.

     O garoto senta à frente de Charlie e nota de imediato que seu amigo possuía uma expressão de medo e receio no rosto. Estava pálido. Não era apenas medo e receio, e sim uma enorme quantidade de pânico contido.

     — Pode me contar, Charlie — ele tenta acalmar o amigo.

     — Promete que não vai surtar?

     — Juro solenemente — Tao levanta a mão direita, sério.

     Charlie hesitou, mas resolveu contar a história da maneira mais leve e eloquente possível. No final, não conseguia acreditar que Tao não o interrompera um segundo sequer, ouvira atentamente aos detalhes; não conseguia decifrar o que Tao pensava. Ele faz um som estranho, que veio do fundo da garganta, e ergue uma sobrancelha. Havia compreendido a gravidade dos fatos.

     — Isso é alguma coisa — comentou, finalmente. Na direção oposta, Isaac aproximava-se com um exemplar de "1984" debaixo do braço. Charlie fez um sinal para que ele deixasse de fazer aquela cara de quem acabou de receber uma péssima notícia.

     O amigo analisa o olhar de Tao, tentando evitar contato visual, com atenção: — Isaac, oi...

     — O quê? A Elle finalmente assistiu todos aqueles filmes independentes da sua lista? Ou ela finalmente terminou "Tell Me Why"?

     Tao estava atônito, apenas ergueu a mão e abriu a boca por um segundo. Depois, ele disse, finalmente: — Então, o Nick Nelson está... doente?

     Isaac arregalou os olhos como se estivessem falando de livros em oferta.

     — Nick Nelson? Estamos falando do Nick Nelson agora?

     — Ele não está doente. Quer dizer, talvez... Mas, como eu disse, o Nick me contou que...

     Isaac interrompe Charlie com uma risadinha: — Falamos com o Nick Nelson agora? Puxa...

     — Como pode achar que isso é mesmo real? Que o Nick Nelson é... Veja bem, o nosso Nick Nelson é um... — Tao hesitou em usar a palavra "lobisomem", mas a usou mesmo assim, ainda que bastante irritado: — Um lobisomem.

     Ao contrário da reação de Isaac, que ficou bastante surpreso com a notícia, o Charlie não conseguia pensar em qualquer outra coisa além do medo que sentia pelo amigo naquele momento; Nick estava sozinho, tecnicamente, pois não conheciam outro lobisomem, sem entender o que está acontecendo com ele.

     Se depender de Charlie, ele nunca estará sozinho. Nunca.

     Seu único pedido aos amigos foi:

     — Por favor, não contem isso para mais alguém. Exceto a Elle, talvez, mas não sei como contar isso.

     — Talvez? A Elle PRECISA saber disso! Na verdade, ela é a mais inteligente de nós — insistiu Tao — Além disso, a família dela...

     — O que tem a família dela? — perguntou Charlie.

     Isaac abriu um sorriso: — Que ótimos amigos ela tem...

     — A família dela é dona de uma das lojas de antiguidades mais famosas de todo o país. Quero dizer, eles têm uma coletânea de livros extensa sobre esses assuntos, sobre criaturas, e... Por que diabos não contaríamos para ela?

     — Ela já passou por muita coisa nesses últimos tempos.

     — E não contar à ela seria MUITO pior. Seria subestimá-la, ou condená-la ao perigo. Podemos pedir auxílio.

     Isaac concordou rapidamente com Tao, balançando a cabeça: — Charlie, onde está o Nick? — ele dá uma olhada ao redor, reparando nos rostos que os cercavam pelo gramado. Eram poucos, mas nenhum era ensolarado como o de Nick, cheio de animação pela manhã e sardas.

     Charlie encolheu os ombros.

     — Está escondido, até conseguirmos reunir mais informações. Ele não contou coisa alguma para a mãe. Precisamos saber o que está acontecendo primeiro...

     — O que está acontecendo?! Você me aparece com esse lote de informações sem antes comprovar a teoria?

     — Bem, o Nick disse que teve uns sonhos estranhos... Disse que se sente estranho nesses últimos dias, os sentidos aguçados e... a velocidade... a força...

     — E...? — insistiu Tao.

     — Não quero expor o Nick! Vai saber do que ele é capaz quando está transformado! E a última pessoa que... — Charlie fez uma pausa — Espera... A última pessoa que se meteu com o Nick foi o Ben Hope. Ele quem o atraiu para o campo naquele dia!

     Isaac engoliu a seco naquele momento: — Aquele Ben Hope? Vindo na nossa direção?

     Um garoto alto e de cabelos castanhos sedosos aproximou-se da mesa dos garotos, mas os ignorou completamente; neste instante, Tao revira os olhos.

     — Ótimo. Ficaremos de olho nesse palerma, sempre em alerta. O Nick... Ele está seguro, pelo menos?

     Charlie assentiu: — Sob os cuidados de Tori Spring.

     — Ela acredita em vocês? — pergunta o Tao.

     — Não será mais um dia solitário para ela, pois não? — Charlie deu de ombros.

     Os três garotos se entreolharam, curiosos. Onde haviam se metido?

     Pelo resto do dia, teriam de vigiar Ben Hope em segredo. E assim o fizeram. Isaac, pelo canto do olho e por cima das páginas secas de seu livro, notou que, não importava para onde Ben fosse, ele agia como se estivesse sendo seguido — não por eles, mas alguém mais — e ouvia cada passo, cada comentário, portanto fugiu assim que teve chance, no horário do almoço.

     — Para onde ele foi? — Tao cutucou Isaac. Nenhum dos garotos soube responder.

     Ninguém o viu pelo resto da tarde.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora