Amor Valioso

VOCÊ DE NOVO?

Em casa passei a ser a primeira a acordar, pois com apenas um banheiro, não posso me dar ao luxo de esperar em uma fila. Também a primeira a sair para trabalhar. O ruim é não poder ver minha mãe todos os dias. Quando chego a noite, ela está no hospital e chega depois que eu saio para a Solis.

- Mãe, não precisa fazer minha marmita! - falo deixando minha mochila no sofá. Ontem foi sua folga. - Ainda é cedo...

- Se posso fazer a do seu pai, faço a sua também, caprichei hoje e... pelo amor de Deus, arrume esses cabelos, passe um batom, não é porque trabalha na limpeza que vai andar desarrumada.

Ela reclama andando da pia para a mesa, pondo as comidas, fazendo café, abraço ela por trás, que vira o rosto para receber meu beijo.

- Te amo minha Deusa de Ébano, saudades das nossas conversas. O batom está na mochila.

- Também, meu amor, falar ao telefone não é a mesma coisa, mas, sei que está feliz com essa rotina.

- Muito, me inscrevi em um site de estágios e hoje teremos uma palestra na faculdade com uma das suas empresas parceiras. Estou confiante que consigo dessa vez.

- Desistir jamais. Guarde a marmita, tome café e não saia sem batom.

- Pai, vai logo, tenho treino - Leandro grita de frente à porta do banheiro. - Isa, vou jogar domingo. Vai assistir, por favor!

- Se você prometer ganhar.

E antes que eles sentem a mesa eu saio de casa sob os protestos da mamãe para pintar os lábios, grito que estou indo trabalhar com um esfregão. Desde a minha adolescência ela tenta que eu tenha a metade de sua vaidade, mas decidi que se uma de nós duas fosse brilhar, seria ela.

Pego apenas um ônibus para a área cormecial da cidade, porém eles estão lotados todos os dias, se fosse arrumada chegaria um trapo na Solis, onde também sou uma das primeiras a chegar.

- Preparada para mais um dia? - pergunta Fátima enquanto separa nosso material.

- No pique e com todo gás.

- Heloísa, mais de mês aqui e ainda com essa animação. Qual o segredo?

- Fiz uma avaliação perfeita na faculdade, estou radiante - suspiro aliviada. - Você é testemunha do quanto tenho me esforçado para estudar, obrigada por me ajudar.

Fátima é uma mulher simples, casada com um pedreiro e tem dois filhos. Todos os dias reclama que tem uma conta atrasada ou um cartão com o valor negociado. Tentei ensinar como diminuir os gastos ou desfazer de algum cartão, fui chamada de louca.

Solidária como naquele dia, auxilia a me manter longe do quarto andar. Fala com orgulho que só ela pode limpar a sala do chefe. Aos olhos dela, ele parece um artista de tv.

"Sendo filho daquela mulher, não faço questão em saber." É a minha resposta quando ela inicia a falar dele.

Para minha segurança e tranquilidade Ana Virgínia não está todos os dias na empresa, já que o filho é quem comanda, embora seja tão exigente quanto a mãe, alguns dos funcionários
com quem converso, falaram que ele é mais educado, o perigo são as reuniões, não aceita ficar sem respostas para as metas da empresa.

Cascavel, bruxa, medonha, diaba, são alguns dos adjetivos que ela é chamada. Aprendi com a Fátima usar Toda Poderosa, todos tem uma história para contar de alguma humilhação que passou com ela.

- Não esqueça os óculos, vai que ela aparece voando na sua vassoura. - Adverte Fátima se divertindo com meus esforços para ficar diferente.

Uso óculos enormes, cabelos presos em um coque mal feito com o uso de um boné da empresa, o uniforme cinza talvez ajude a me esconder, principalmente da assistente magricela, essa eu vejo todos os dias, com seu andar petulante. Enquanto caminha olha para os lados, como quem espera pegar alguém fazendo algo errado. Ela é os olhos e ouvidos da Toda Poderosa.