Amor Valioso

O DESTINO CHAMA

— Não esqueça a máscara!

Lembro do conselho de Fátima — hoje ela faltou, foi ao médico — a coordenadora ficou com a missão de limpar o quarto andar.

Segundo dia que a toda poderosa está na empresa. Seu filho viajou e a deixou no comando. Para mim tem sido fácil me esconder dela, porém os outros funcionários estão todos apreensivos em não cometer erros.

Pela manhã, uma funcionária do setor de vendas não teve a mesma sorte, além de chegar atrasada, passou valores errados de um seguro social para um possível cliente. Reunião na sala do seu superior com a presença da Ana Virgínia. O acontecido virou o assunto do dia. Eu a encontrei no banheiro chorando, nem um copo com água diminuiu seu choro.

Estava escapando dos andares superiores com a limpeza no refeitório, além dos banheiros e recepção. Mas para não dar sorte ao azar, escolhi almoçar no shopping. discretamente abri minha marmita, sentada em um dos bancos no espaço de convivência, fones nos ouvidos, livro na mão, esqueci a Solis.

O ambiente com plantas e a impressão de céu aberto com teto transparente,  me acalmava, o cheiro de terra molhada dos jarros também ajudava. Mais uma vez procurei entre as pessoas que passeavam o Senhor Perfeito.

Quinta-feira e ele não havia aparecido, era sinal que foi um acaso tê-lo encontrado no início da semana. "Desejo vê-lo novamente." Não havia necessidade de sair correndo. Até  parecia uma virgem com medo de ser devorada pelo lobo mau. Meu rosto não estava sujo, porque ele me olhava daquele jeito? Agora eu tenho dois lugares para me preocupar em ficar invisível.

Se ao menos eu soubesse onde ele trabalha, idiota!

Xingo e rio ao mesmo tempo, onde um homem daquele iria me olhar se não fosse por algo errado no rosto, interesse zero.

Concentro no livro, mas largo ele antes da hora de costume para comprar um café para Tomás, mamãe recomendou que o fizesse em agradecimento pelo empréstimo do livro. Com cuidado após vestir o uniforme deixo o copo em sua mesa com um bilhete. 

Dei início ao meu turno da tarde pelo andar das finanças, esvaziando os cestos de lixo, limpando algumas áreas e desocupadas assim como também, renovando o brilho das divisórias de vidros.

Concentrada, não vi a assistente magricela entrar em uma das salas, escuto sua discussão.

—Esses valores ainda não foram calculados – A funcionária explica sem alterar a voz. — Mas já que diz que é urgente pode falar com o Tomás...

— Está dizendo que Ana Virgínia vai ficar sem respostas porque você não faz seu trabalho?

— Não, Sílvia, estou te explicando que não é a data para o setor financeiro fechar o relatório.

Elas saem da sala e a mulher vai até uma das mesas, fala com um e depois com outro. Eu arrumo a máscara e finjo limpar a parte inferior quando a magricela fica a pouco centímetro de mim.

— Vou informar como o financeiro não está trabalhando.

Ela disca no celular e se aproxima de mim.

— Você, pare e vá limpar a minha sala, até a limpeza hoje está à toa.

— Estou indo! – respondo sem levantar. 

— Sílvia, diga a Virgínia que não é possível atender seu pedido – Tomás entra, fazendo todos cessarem os barulhos de papéis, telefones e passos. — Se ela quiser, leia esses, mas já adianto que todos os dados, amanhã serão outros.

De relance vejo ela puxar os papéis da mão de Tomás e sair. Tomo as escadas para o temido quarto andar. A secretária do chefe está falando  ao telefone, mais alguns passos vejo a sujeira ao lado da mesa da Sílvia, suco derramado no piso e sobras de um sanduíche.