CINCO ANOS DEPOIS

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Cumprimento Patrícia e aviso que estou indo almoçar, como é perto vou caminhando. Uma rua estreita com variedades de restaurantes para escolher, passo pela frente de um japonês, ando mais um pouco, desvio de algumas pessoas, tenho a sensação que as conheço, porém não falo com elas.

De repente estou numa mesa de um restaurante, comendo massa e vários copos de vinho sobre ela. As pessoas ao lado conversam, mas não consigo escutar o que falam. Pego uma taça com vinho branco, no entanto não gosto do sabor, nem da sensação que provoca. Ponho a mão no peito, surge uma dor e um vazio, que fica insuportável segurar a taça. Fecho os olhos e alguém segura a minha mão.

- Heloísa!

E toda dor vai embora, ela sorrindo aponta para o prato e ordena que eu coma fazendo carinho na minha mão.

Desperto com a sensação que ela segurou minha mão, mesmo sabendo que foi mais um sonho dos muitos durante os cinco anos depois que a expulsei da minha vida. Alguns ela simplesmente aparece e fica ao meu lado sem falar, em outros não faz parte do cenário, mas por alguns instantes ela aparece, porém em todos sei que está lá para me apoiar, acalmar e me deixa feliz.

E como todas as noites que isso acontece, vou para meu estúdio, ponho uma música e passo um tempo olhando para o cavalete, algumas noites sou vencido pela vontade de tirar o pano que cobre o quadro inacabado. Não sei porque não o quebrei naquela noite, escondi num canto da parede, assim como a dor que sentia por sua traição.

Tentei arrancá-la em copos de bebidas, corridas de carros e mulheres, no entanto acabava sempre jogado no sofá, olhando para a parede de vidro, perguntando as estelas, por que ela aceitou o dinheiro?

Há um ano o pus o quadro de volta para terminar e assim expulsá-la de vez do meu coração e dos meus sonhos. No entanto, a cada dia torna-se mais impossível, porque a Isa do quadro é a dos cabelos rebeldes, com o sorriso do shopping, os olhos de gata e a boca que ainda lembro a maciez dos lábios. Essa aparece nos meus sonhos.

Heloísa aproveitadora e mentirosa, ocupa os pensamentos quando estou a7cordado.

- Dormiu mal de novo e por que está ansioso, seu pai não está bem?

Tomás questiona sentado ao meu lado na sala de reunião e me traz de volta a realidade, mas continuo rabiscando o papel. A reunião terminou e ele mais uma vez ignorou meu desejo de ficar sozinho.

- Falei com ele mais cedo. Infelizmente a colocação do marcapasso foi adiado, por causa de uma infecção urinária.

- Sílvia está dando conta da ótica?

- Não tenho do que reclamar, estou esperando por ela para assinar alguns documentos.

Há mais de dois anos ela trabalha com o meu pai, depois que mamãe deixou a Solis e atualmente é gerente das duas Óticas Borges.

- Então é saudade dela de novo? - ergo a cabeça com a sua pergunta. -A garota sem rosto, sempre desenha ela fazendo coisas diferentes, mudou os cabelos, mas é ela.

Volto a desenhar, finalizando as pernas da cadeira que ela estava sentada no sonho.

- Não dormi muito ontem, pintei um pouco - aponto a caneta em sua direção. - Você também parece que madrugou.

- O meu caçula, acordou de madrugada chorando, você sabe quando criança acorda com dor, não, você não sabe.

- Não faço questão de saber. Pensei que com dois filhos você estivesse tão confortável quanto com seu cargo de vice-presidente da seguradora.

Gargalha com a minha provocação. Volto a desenhar.

- Resolver os problemas aqui é mais fácil - Mostra um vídeo no celular dos filhos brincando com ele na cama. - Não vejo hora dele andar.

Amor ValiosoOnde histórias criam vida. Descubra agora