Para Servir e Proteger

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POV - Logan

Humanos me enojam. São violentos, descontrolados, brutais. Suas emoções caóticas os tornam impulsivos e controlam suas ações. Eu não gosto de ser controlado. Sempre faço tudo certo para que nunca alguém tenha uma desculpa para me dar ordens.

Por isso, quando fui mandado para este planeta terrível, meu Chamado se manifestou claramente. Um Buscador, aqueles entre nós que promovem a ordem e garantem a paz almejada pela nossa espécie, é isso o que eu sou.

Meu Chamado tornou-se ainda mais vívido quando recebi como hospedeiro o corpo de um policial. Logan tinha as habilidades necessárias e um temperamento parecido com o meu: um sério problema com a autoridade e total desapego pelos outros seres humanos. Por isso foi tão fácil suprimi-lo.

Há sete anos, quando as inserções começaram, o elemento surpresa destruiu qualquer possibilidade de resistência para a maioria dos hospedeiros. Os laços afetivos, entretanto, constituíram um problema para alguns. Esses hospedeiros, os que se negavam a abandonar suas emoções e seus afetos, precisaram ser descartados porque eram difíceis demais de controlar.

Logan era forte, mas não tinha a quem ou a que se apegar. Lembro-me de que em vários momentos ele ansiou pela morte, perseguindo-a até, tentando-a. O desaparecimento não o tinha assustado quando senti sua consciência se esvaindo do corpo que agora é meu.

Pude senti-lo indo embora, deixando-se tragar pela escuridão, misturando-se em minhas próprias lembranças e desejando que seu mundo finalmente alcançasse a paz. Ele estava disposto a se sacrificar por isso, e eu daria isso a ele, porque Logan não me enojava como os outros humanos. Ele era parecido comigo, por isso mantive seu nome e apreciei o fato de que ele não me deixou o fardo das emoções passionais dessa espécie.

Não me lembro de ninguém, nenhum rosto pelo qual Logan tenha sentido afeto. Anos de maus tratos em lares adotivos destruíram essa possibilidade e forjaram sua dureza. Mas apesar de fazerem parte dele, essas lembranças eram sempre evitadas por mim. Eu não gostava da gama complexa de emoções que elas traziam para este corpo. Não gostava da forma estranha como ele se preparava para um perigo que não existia, meus músculos se inundando de adrenalina e meu cérebro num crescendo de alerta.

Lembro-me de quando Logan as evocava. Ele também não gostava delas, mas havia momentos em que era preciso libertar sua brutalidade e essa era a porta. No mundo dos humanos, ainda mais na vida de um policial, muitas vezes isso era mandatório. Era um mundo terrível a Terra.

Nada parecido com o Planeta dos Morcegos, onde eu já tinha estado por duas vidas. A música era minha única razão de viver lá, e é meu único consolo nesta existência desolada a que fui trazido quando vim para cá. A música dos humanos é diferente, mas a mesma natureza permeia a arte em qualquer lugar. A beleza continua existindo, não importa onde nem como.

O corpo que eu tinha em minha frente, por exemplo, era uma obra de arte. Nós, Almas, conservamos a arte humana: seus museus, suas bibliotecas, todas as provas de que o engenho deles podia criar também beleza em lugar de apenas destruição. A arte era a esperança para essa espécie, mas ela se perdeu em meio ao ego, à banalidade e às emoções confusas que eles priorizavam. Eu via a arte como a ordem dessas emoções, por isso a apreciava tanto. E eu sentia que já tinha visto esse rosto numa pintura antes.

Seus olhos se abriram e, assim que se acostumaram com a luz, correram vorazes pelo quarto onde ela descansava na Estação de Cura.

- Onde ela está? - sua voz encantadoramente musical perguntou.

- Ela quem, querida? - disse calmamente Águas Claras sob a Lua, sua Curandeira.

- A Alma. A Alma que estava aqui?

- Estrelas Refletidas no Gelo, eu sou Águas Claras sob a Lua, sua Curandeira. E esse é Logan, o Buscador que vai ajudá-la em sua missão. A Alma que estava nesse corpo está ali, querida - disse a Curandeira, apontando para um tanque depositado num canto.

- Por favor, não deixe que façam nada contra ela!

- De forma alguma! Ela é nossa irmã. Mas precisamos de você para compreender o que a levou a se associar aos humanos.

- Ela os ama - ela respondeu sem sequer pensar a respeito.

- Como assim? - perguntei, surpreso e ao mesmo tempo enojado.

- Eu me lembro... dos sentimentos. É só. O que houve com eles?

- Nós os perseguimos - contei a ela, mas como eles pareciam conhecer bem a região, demoramos a alcançá-los. Estava escuro e não estávamos preparados para uma perseguição a pé. Eu consegui ver a outra Alma de longe e atirei nela. Meu hospedeiro era muito bom atirador.

- Eu me lembro. Ela pensou que tinha morrido.

- Sim, os humanos também pensaram. Era assim que nós queríamos.

- Mas eu senti tudo... a dor... o sangue. Eu me lembro de morrer.

- São balas especiais. Algumas Almas que ouviram o Chamado da Ciência as criaram para nós. Não queremos ferir os humanos, já que alguns deles podem servir como hospedeiros. A bala fere a pele, mas de forma superficial. Assim que entra no corpo, ela se dissolve numa espécie de anestésico que para momentaneamente as funções vitais. É preciso socorro imediato, no entanto, pois se demorarmos muito a vítima pode mesmo morrer.

- Isso é... cruel! - ela disse, enquanto seus olhos grandes ficavam ainda maiores.

- É melhor do que matá-los - disse eu de modo prático, querendo dar fim à questão.

- Você está bem, querida. Nós a curamos a tempo - disse a Curandeira. - Mas há algo que você precisa saber sobre esse corpo.

- Os humanos pensam que eu... quer dizer... que ela morreu? - perguntou-me, ignorando a Curandeira. - Eles devem ter ficado muito assustados. E bravos - disse, pensando melhor.

- Sim, um deles em particular. Eles tentaram me matar. Tive que atirar. Se ele não tivesse caído, eu estaria morto agora.

- Ian! - ela gritou, antes que seu novo corpo entrasse em colapso.

A Hospedeira - Coração DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora