Mentiras

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POV ESTRELA:

"E então, qual a desculpa desta vez?" eu pergunto, olhando irritada para Ian.

Ele tem nas mãos dois sacos cheios dos vegetais que tínhamos trazido da última incursão, e, apoiado desajeitadamente nos dois braços unidos, uma caixa pesada cheia de sacos de arroz. Ele ri, nervoso e envergonhado por ter sido pego.

"Tudo bem,tudo bem, você me pegou, eu admito."

"Ian, isso era para eu levar! Você já descarregou praticamente o caminhão inteiro. Eu quero ajudar!"

 Ele coloca as coisas no chão e revira os olhos, esticando um pesado saco de batatas em minha direção.

"Então, está bem. Tente pegar isto. Se conseguir segurar sem cair nada no chão, deixo você levar tudo até o depósito."

Eu fito o saco por um instante, e depois Ian, vendo como as articulações dele tremem levemente com o peso do saco, e como eu jamais seria capaz de levantar aquilo do chão. Então simplesmente comprimo os lábios, cruzo os braços e olho para o lado, de mau humor. Seria possível que eu seria limitada apenas em ir a incursões e voltar?

"Ah, Peg, não precisa ficar assim, querida. Você já ajuda muito em outras coisas mais importantes."

"Com importantes, você quer dizer mais fáceis e entediantes."

 "Bom, não vejo muita graça em carregar sacos de batatas."

Ele está sorrindo agora, se divertindo com os meus resmungos, que agora eram diários, sobre como eu não podia fazer mais nada.

 "A graça está em eu poder fazer! Você não vê? Eu sou uma completa inútil!"

Ele suspira, atravessa o corredor e me abraça ternamente.

"Não diga isso, Peregrina. Você é apenas grande demais para fazer coisas tão pequenas. Incrível demais para se cansar carregando batatas."

 Eu reviro os olhos.

"Ah, sim, ótima desculpa, O'Shea. Ah, Ian, eu odeio este corpo! Odeio como ele me limita! Odeio o fato dele me fazer fraca! Odeio... não conseguir ser boa o bastante para nada"

 "Oh, a pobre Pet ficaria aniquilada de ouvir você falando assim do corpo dela. Ela não foi retirada por nada, que tal ser grata? Ah, e se te serve de consolo", ele move os lábios dos meus cabelos para minha orelha e completa com um sussurro, "você sempre será boa o bastante para mim"

 Abri os olhos, então. Estava claro para mim: aquilo não era um sonho, era uma memória. Uma memória do tempo de Peregrina, de quando estava neste corpo, quando estava com os humanos. Quando estava com Ian. Ian. Pensar nele era uma dor física. Meu peito continuava vazio, mas agora eu saia o porquê. Eu precisava do meu Ian.

 — Estrelas Refletidas no Gelo, você está bem, querida? — perguntou uma voz, que eu lembrei ser de Águas Claras sob a Lua, minha curandeira. Mas essa voz me trouxe memórias mais recentes.

Eu procurei o Buscador por todo o cômodo, até que o achei encostado na soleira da porta, fitando o chão pensativamente.

— Você o matou?! – eu gritei para ele, ouvindo os bipes do aparelho ao meu lado ficarem mais altos como a minha voz. – Você matou ele?! – Ignorei a curandeira, que pediu que eu me acalmasse.

O Buscador chamado Logan olhou para mim, os olhos verdes estreitos.

— Matei? Matei quem?

— Ian. Você disse que atirou nele – eu falei com dificuldade, sentindo meus olhos arderem. — Você matou ele?

A Hospedeira - Coração DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora