POV – Jared
O mundo como o conhecíamos chegava ao fim pela segunda vez. Foram apenas alguns instantes. Alguns instantes em que o eixo da Terra foi retirado e o mundo passou a girar fora de controle.
Eu me lembro principalmente dos sons. As sirenes cortando o ar. O arquejo de pavor que saiu dos lábios de Mel. O entendimento mudo de que nossas vidas tinham chegado ao fim, um som que gritava apenas em nossos corações.
Depois, o grito de Peg: "Corram!". O sangue pulsando em meus ouvidos quando os outros me seguiram para fora do carro, em direção ao deserto. Nossos pés firmes no chão de areia, em meio à escuridão. Dois tiros.
O som do fim do mundo era composto de dois estampidos fortes explodindo contra um corpo frágil. Apenas alguns segundos. A vida se esvaindo dos seus olhos junto com o sangue que tingia a areia. Lembro-me de ter pensado como podia haver tanto num corpo tão pequeno. Foram apenas alguns segundos.
O eixo de nossa família. Aquela que trouxe Melanie de volta para mim. A irmã que a vida deu a ela. O sorriso nos lábios de Jamie. A alma de Ian. Nossa amiga. Nossa protetora. Nosso mundo. Se foi.
Ian urrava como um animal ferido. O som mais horrível e doloroso que já ouvi. Pior até que os gritos de Melanie. Eu nunca a tinha ouvido gritar, tão corajosa, mas despedaçada. Ela se debatia em meus braços como se pudesse lutar contra a morte, como se o ódio pudesse suplantar a dor. Foi muito difícil segurá-la. Melanie era muito forte.
Mas Ian era ainda mais e Aaron não pôde mais detê-lo. O som do desespero de Mel cresceu quando ele também foi atingido e os corpos de seus dois melhores amigos caíram lado a lado no chão. De repente, uma lembrança. Uma palavra em minha mente. Glock. E a resolução: eu não deixaria que eles nos tirassem mais nada.
Três homens fortes não foram capazes de carregar o corpo de um homem com o coração vazio. Ian foi tragado pelas trevas de sua dor e seu corpo inerte ficou ainda mais pesado. Melanie teve que deixar para trás uma parte de si para ajudar a salvar outra. Não tivemos nem o direito a sepultá-la.
Os uivos dos coiotes assustados com outro tiro ecoaram na noite escura. Nossos corações estavam em silêncio.
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Ian estava ferido e os outros estavam cansados, mortos de medo, afogados pela tristeza. Eu tive que deixá-los refugiados na escuridão. Meu coração ficou com eles. Eu não queria deixar Mel, mas ela não conseguia mais se mover. Tive que pensar friamente que, como estava, ela me atrasaria. Eu teria melhores chances se salvá-la se fosse sozinho. Então, sabendo que não poderia perdê-la de novo, eu corri. Durante horas, eu andei pelo deserto escuro, apenas uma lanterna e o mapa que existia em minha mente.
Ao longe, Jeb me viu. Quando o vi, finalmente me permiti desabar em minha dor. Os metros que restavam, pareciam intransponíveis. Cai de joelhos enquanto ele corria em minha direção.
— O que aconteceu?
— Buscadores... – respondi em meio às golfadas de ar que enchiam meus pulmões cansados.
O rosto de Jeb ficou duro como uma pedra, sua voz soou como se viesse da boca de outra pessoa:
— Onde estão os outros?
— Escondidos.
— Estão todos bem?
Lágrimas começaram a escorrer por meu rosto. Pela primeira vez em muito tempo, desde que Peg trouxe Mel de volta e eu lhe disse adeus naquele corredor escuro, eu chorei. Pelo menos daquela vez eu tinha podido me despedir.
— Estão todos bem, Jared? – insistiu Jeb, desesperado.
— Ian está ferido. Ele precisa de ajuda, mas acho que vai viver se chegarmos a tempo.
— É só isso...? É só isso que você tem para dizer, filho?
— Peg.
— O que tem Peg?
Tudo o que eu pude fazer foi balançar a cabeça de um lado para o outro, mas isso foi o suficiente. No escuro do deserto, eu vi o homem mais árido do mundo chorar.
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A Hospedeira - Coração Deserto
FanfictionPeg e os humanos levavam uma vida tranquila agora. Tudo o que queriam podia ser conseguido numa incursão. Mas também algo que não queriam. Um dia, o que parecia inevitável acontece. Algo dá errado. Os humanos acreditam que Peregrina está morta. Mas...