Infinito Roubado

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In my eyes
Indisposed
In disguise
As no one knows
Hides the face
Lies the snake
The sun
In my disgrace
(...)
Black hole sun
Won't you come
And wash away the rain?

(Black Hole Sun - Soundgarden)

POV – Melanie

Eu nunca tinha querido morrer. Não de verdade. Nem mesmo quando mergulhei no poço escuro de um elevador. Ou quando tive que lutar com a força arrasadora que destruía minha consciência e a levava para longe daqueles que amo, para longe de mim mesma. Nem quando Jared me olhou com olhos mortos, sem me reconhecer dispersa dentro de meu próprio corpo. Não desejei a morte mesmo quando acordei achando que aquela que me devolveu tudo tinha partido, banhando minha vida em seu sangue prateado. Não de verdade.

Mas, embora nunca tivesse querido, eu sabia como era morrer. Eu me lembrava do elevador, meu corpo todo se quebrando e o sangue levando consigo todo o calor. Frio. Dor. Esquecimento. Eu me lembro dessas coisas. E tem algo que eu posso dizer sobre morrer. Não é uma coisa que se deva desejar, mas é mais fácil ter seu corpo do que seu coração dilacerado. Não me lembro nunca de ter sentido tanta dor como quando um pedaço de mim foi arrancado diante de meus olhos.

Por apenas um segundo, eu segurei o corpo de minha irmã nos braços, acariciando seu rosto inanimado. Mas eu tinha tido que deixá-la. Seu corpo bonito ficando para trás para que pudéssemos salvar Ian. Não tinha sido uma escolha difícil, no entanto, eu sabia o que fazer. Sabia que ela gostaria que Ian vivesse.

As conseqüências dessa escolha, porém, eram algo que ela nunca poderia ter previsto com precisão. Nenhum de nós poderia. Nenhum de nós estava pronto para se arrepender de cada segundo o tempo todo. Essa era a maior dor de todas, maior até do que a dor de sua ausência. Ter que acordar todos os dias imaginando como teria sido.

Como teria sido se tivéssemos ido embora um dia antes, deixando para trás o capricho bobo de comprar roupas novas para Jamie. Se não tivéssemos ficado naquele hotel ou sido prudentes e mantido nossos olhos baixos quando a amigável recepcionista acenou em despedida. Se tivéssemos tomado outro caminho, por outra estrada. Se Jared tivesse visto o Buscador que atirava de longe e o tivesse acertado antes. Se Peg não tivesse soltado a mão de Ian, deixando entre eles os poucos metros dos quais ele se arrependeria para sempre. Como seria se...

Naquela noite, enquanto esperávamos no escuro pela volta de Jared, eu pensava em tudo isso pela primeira vez. A dor estava me enlouquecendo e minha mente ameaçava se perder em meio a ela, quando Ian se mexeu em meus braços, soltando um gemido abafado.

Eu tinha a cabeça dele em meu colo enquanto segurava a camiseta de Aaron sobre a hemorragia. Tirei a camiseta para checar e pude perceber que Ian não sangrava mais. Estava escuro, mas o vermelho do sangue de um amigo que agoniza em seus braços é algo que se vê mesmo no maior dos breus.

Ian oscilava entre uma inconsciência atormentada e breves instantes de consciência em que eu só podia desejar que ele desmaiasse de novo. Os olhos dele naquele dia eram muito mais do que eu podia ver. Chegava a ser mais difícil do que ver a vida se esvaindo dos olhos dela.

E se ela não tivesse morrido? E se tivesse sido eu? E se fosse Jared sofrendo nos braços dela agora?

Mas eu estava viva. Jared estava vivo. Ian estava vivo. E eu tinha uma decisão diante de mim. Ou me entregava à dor, desonrando o sacrifício que um dia ela tinha querido fazer por mim, ou sacrificaria meu próprio luto para ser forte por aqueles que nós duas amávamos.

Quando Peregrina tinha me dado tudo, ela só tinha me pedido uma coisa em troca: que cuidasse de quem ela amava. Que cuidasse de Ian. E era isso que eu tinha feito.

A Hospedeira - Coração DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora