Dor

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  And is it worth the wait?
All this killing time?
Are you strong enough to stand
Protecting both your heart and mine.

Who is the betrayer?
Who's the killer in the crowd?
The one who creeps in corridors,
And doesn't make a sound.

(Heavy In Your Arms   - Florence and the Machine)

POV Estrela

A minha pele ainda parecia queimar.

Continuava como se estivesse sendo pressionada com algo que fizesse o sangue fluir, o ardor se realçar, e me fizesse fritar de uma forma diferente agora. Com gelo. Qualquer coisa que estivesse incomodando meus ferimentos era gelada e seguida por sons estranhos de algo molhado sendo apertado contra algo sólido.

A dor — a percepção de que algo de fato estava doendo — me ajudou então a clarear meus pensamentos. Dor não era o que se esperava no lugar onde os humanos acreditavam que iam depois que morriam. E apesar de eu não acreditar também, certamente a agonia e o incômodo não eram o que eu esperava... Então, flashes de memórias me atingiram.

Minha visão escurecendo no deserto até que a próxima coisa de que me dei conta foi do rosto de Logan, que por minutos, nos meus delírios, acreditei ser o rosto de Ian. Ele aninhando-me em seu colo e seguindo novamente deserto adentro, gritando desesperadamente por ajuda aos humanos. Dois cliques rápidos. Um novo rosto surgindo, familiar e distinto, com a barba branca de sempre contornando a face enrugada. Uma breve conversa entre os dois, com alguns gritos de um nome: Peg. Então caí outra vez na escuridão. A dor em minha cabeça e em meus músculos era intensa demais para que eu continuasse acordada para senti-la.

Mas agora, deitada com a pele levemente em chamas, eu podia me permitir pensar. Logan me encontrara e Jeb havia estado conosco, ou tudo aquilo não passava de mais um delírio da minha passagem para a morte? Eu tinha conseguido, mesmo tendo colocado minha vida e a de John em risco?

A dúvida era demasiada para que meus olhos continuassem fechados. Abri-os devagar, com cuidado, mas logo depois os fechei de novo. Uma luz os cegava de cima, e eu pude perceber pela sua tonalidade de um branco artificial que aquela não era mais a luz do sol.

Meus olhos espreitaram entre as pálpebras novamente, desta vez lutando para se adaptar à luz, piscando inúmeras vezes para se livrarem da visão embaçada no início. Quando se acostumaram, registrei, enfim, o ambiente em que me encontrava.

Um teto escuro e irregular, não exatamente alto, mas também não baixo demais — adequado; de uma cor entre cinza, púrpura e roxo.

A mistura única da cor das minhas cavernas me trouxe uma nostalgia tão grande que, por um segundo, a emoção de está-la vendo novamente foi tudo o que consegui sentir. Por minutos, meus olhos abertos percorreram todo o caminho do teto até a parede leste — onde havia uma mesa em meio a dúzias de livros refestelados — repetindo o caminho a cada instante, para ter certeza de que o que eu via era real. Foi quando um som me tirou do transe.

Um som semelhante ao anterior. Era um splash, como algo sendo mergulhado na água. O ruído não era estranho às minhas lembranças. Minha cabeça girou automaticamente na direção do barulho, vi que estava mais perto do que eu esperava.

Eu estava deitada em uma cama. Em um catre, na verdade. Tão confortável para minhas costas quanto o chão áspero do deserto havia sido. E do lado dele estava uma bacia grande cujo conteúdo — pela forma como eu via a luz baça vindo de cima fazendo formas ondeantes nas sombras — com toda a certeza era algo liquido. Então, uma mão apareceu, branca e comprida, com dedos longos e ossudos, segurando um pano escuro e úmido, afundando-o novamente na bacia, causando o som que eu ouvira.

A Hospedeira - Coração DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora