"Não sejamos como Caim, que pertencia ao Maligno e matou seu irmão. E por que o matou? Porque suas obras eram más e as de seu irmão eram justas"
⸸
Há quem diga que Deus é o vilão.
Outros creem que é a salvação.
E há, por fim, os que negam ou desacreditam de Sua existência.
Anuindo ou não, amando ou odiando, idolatrando ou desprezando, todos o conhecem.
Ao contrário daquele demônio que viveu a vida inteira nas sombras, só então revelando sua verdadeira natureza no dia em que fora covardemente desafiado.
A antiga Aurora, tão querida por seus frequentadores, não era mais do que um amontoado de escombros assim que ele passou pela porta.
A fênix pulsava em suas costas, ansiando para ser liberta tal qual uma besta selvagem e incontrolável.
Logo, precedeu o calor indomável em seu âmago, que lhe arrebatou o cerne e rasgou-lhe a carne para então verter em intensas labaredas de fogo que alastraram-se pelas extensas asas níveas, transformando-as em cinzas para que a plumagem aveludada se convertesse no mais sombrio breu infernal, tão profundo que quase reluzia por tamanho esplendor de sua excelsitude.
As alaranjadas chamas vívidas destroçaram os resquícios do tecido que antes revestia seu tronco, revelando as formas agora irregulares das tatuagens que adquiriram novas posições.
Os galhos ressequidos incrustaram-se em sua pele e tomaram seus órgãos como verdadeiras lâminas letais, remanescendo em meio ao caos interno com a forma sobressalente no exterior, que deixava a derme coberta de saliências visíveis por conta dos espinhos que desabrocharam de dentro para fora, expressando o aviso claro de que o ser disposto a tocar naquele corpo sagrado, morreria.
A Árvore da Vida, disforme, assumia seu propósito.
A cruz invertida transverteu à sua forma original, intocável e santa, cujo Filho Unigênito um dia fora crucificado para lavar os pecados de um povo inteiro. Uma blasfêmia e uma afronta, mas que agora fazia o Rei do Purgatório carregar a cruz cristã no peito.
O tilintar das correntes envoltas na espada em seu antebraço reverberaram como um eco infinito nas profundezas de sua mente, indicando-lhe o caminho da Espada Maldita, que clamava por si junto àquele que lhe aguardava há séculos.
Logo abaixo, as serpentes entrelaçaram-se ainda mais, apertando seu punho com força à medida que deslizavam para que estivessem estrategicamente posicionadas sobre a palma de sua mão. O ardor provocado por elas era sentido como um veneno mortal injetado diretamente em suas veias, que borbulhavam em uma coloração tão negra quanto as asas.
Bastou um pequeno e breve movimento de seus dedos para que ouvisse os sibilares sorrateiros e o nítido som de chocalhos arrastando-se rente a seus pés. As cobras lhe acompanhavam, emergindo do imo da Terra para a superfície, acompanhadas dos grunhidos bestiais das almas que escavavam o solo com as mãos deformadas para surgirem do chão e acatar a ordem de seu rei.
Centenas dessas almas demoníacas alinharam-se uma ao lado da outra em duas fileiras, ajoelhadas e curvadas com a cabeça baixa e mãos estendidas numa atitude de respeito e louvor, formando um caminho estreito para que seu superior passasse ao meio deles e os presenteasse com a graça de sua bênção. Sequer incomodavam-se com o grotesco rastro de fogo que era deixado por ele onde passava, iluminando aquela noite preenchida por lamúrias e vociferos atrozes.
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𝐇𝐀𝐃𝐈𝐒 - Minsung
Fanfiction[CONCLUÍDA] Céu e Inferno. Dois pesos antagônicos coincidindo e duelando diariamente por uma mesma causa: a infundada e orgulhosa validação humana. Ah, mero engano. Seria de extrema ignorância e soberba consider-nos dignos de tal importância. O P...