No dia seguinte, acordei animada demais com meu primeiro dia de aula. Queria causar uma boa impressão nos professores e nos alunos, mas a Rosa me alertou para ir com uma roupa mais antiga e surrada mesmo. Pois, segundo ela, a primeira semana é marcada pela tensão de quando será o temível trote para os calouros.
Fiquei um pouco decepcionada, mas entendi. Organizei todo o meu material dentro da mochila e coloquei o cronograma de aulas no bolso, junto com o mapa do campus, para não me perder no primeiro dia.
Cheguei na sala de aula vestindo uns trapos. Logo percebi que não era a única assim. Todos pareciam pouco à vontade com a perspectiva de que a qualquer momento poderíamos ser facilmente sequestrados, maltratados e sujos. Confesso que estou um pouco ansiosa, sempre ouvi falar muito dos trotes, e agora estou prestes a viver isso. É um rito de passagem importante, do colégio para a faculdade.
— Bom dia, turma. Meu nome é Fernando. — Se apresentou o homem que tinha acabado de entrar na sala de aula. — Hoje vocês irão saber um pouco mais sobre linguística e Saussure. — Ele usava um coque samurai e, sinceramente, parecia ser muito novo para ser um professor. Na hora eu entendi. Esse ia ser o trote. Ele não é professor coisa nenhuma. Enquanto o desmascarava na minha mente, ele continuava falando — Agora, gostaria que cada aluno se apresentasse e falasse um pouco do porquê de ter escolhido esse curso.
Nesse momento eu não me segurei e soltei uma gargalhada bem alta.
— Algum problema, senhorita? — Ele indagou.
— Nenhum. — E acrescentando, com os dedos, aspas imaginárias a cima da minha cabeça, completei — ''professor''.
Ele me olhou como se eu fosse uma maluca. Quando comecei a rir mais uma vez, olhei ao redor e vi que todos olhavam para mim da mesma forma.
Meu Deus! Isso não é um trote. Ele realmente é o professor. Que mico. Que bela primeira impressão. Acabei de cometer suicídio social. E no meu primeiro dia de aula. Muito bem, Lila, é assim que se faz.
Me afundei na cadeira e fiquei assim até o final da aula. Quando ela terminou e o professor Fernando fez a chamada, saí da sala praticamente correndo. Eu só queria sumir.
Na hora em que dobro com tudo no corredor, me esbarro em alguém.
— Qual o seu problema, garota? A segunda vez em dois dias! Se isso for acontecer até o fim do semestre, me avise para eu poder comprar umas cotoveleiras e capacete. — Carlos falou sério, mas notei que segurava o riso.
— D-desculpe. Eu estava com pressa. — Olhei para o chão sem saber mais o que dizer.
— Então, novata, quer dizer que você faz Letras?
— Pois é. Você também? Não acredito.
— Eu? Não, não. Não levo muito jeito para isso. — Ele apontou para os livros que eu segurava.
— Então, o que está fazendo aqui, no meu bloco?
— Seu? — Ele levantou uma sobrancelha.
Fiquei vermelha de imediato. Qual o meu problema, afinal?
Como não falei nada, ele resolveu responder.
— Estou esperando um amigo, o Theo. Acho que você o conheceu no outro dia.
— Hmm, é, mais ou menos. Eu o vi de longe.
— Agora vai ver de perto. — Ouvi uma voz meio rouca, atrás de mim.
Me virei de uma vez com o susto e acabei tacando minha testa no queixo dele. Ele deu uns passos para trás, tentando entender o que houve. Então, eu me aproximei para ver se o tinha machucado.
— Me desculp... — Nesse momento, eu tropecei no meu estojo, que tinha caído, sem eu perceber, no esbarrão com o Carlos. Acabei me apoiando/caindo no Theo. — Desc... — Quando notei o que houve, fiquei em pé depressa, porém pisei, sem querer, no pé do coitadinho. — Desculpa, desculpa! — Falei meio desesperada. Estava meio em pânico.
O Carlos só fazia rir. Chegou a chorar de tanto gargalhar.
Fechei logo a cara para ele. Isso não tinha a menor graça. Quando olhei para o Theo, ele estava me olhando de uma forma diferente. Bem, não era exatamente esse olhar que eu esperava de alguém que acabei de machucar três vezes consecutivas.
— Prazer, meu nome é Theodoro. — Ele falou sério, me olhando nos olhos e estendendo a mão para mim.
— Oi, eu sou a Lila. — Disse, estendendo minha mão para ele. Esperava que ele fosse apertá-la. Mas, para minha surpresa, ele a beijou.
Ele é bastante antiquado, um típico cavalheiro, pensei. Como ele ainda estava me encarando e segurando minha mão, fiquei totalmente desconcertada. Soltei minha mão e falei rápido, para quebrar o silêncio constrangedor.
— Me desculpe por tudo. Sou uma desastrada. Isso acontece bastante quando fico nervosa. Desde que cheguei aqui, só estou dando bola fora.
— Eu que o diga. — Se intrometeu Carlos.
— Realmente não está sendo nada fácil para você, se já começou conhecendo ele. — O Theo falou, apontando para o Carlos.
— Muito engraçadinho você, cara. Mas, o azar dela é o loiro. — Como fiz cara de confusa, ele continuou — Enfim, acho melhor eu ir embora. Ficar aqui com dois desastrados vai acabar com a minha reputação. — Ele sorriu e entregou um caderno para o amigo. — Até mais, Theo. Te vejo depois, novata. — E piscou para mim, antes de dobrar no final do corredor.
— Olha — Suspirei — Me desculpa mesmo. E-eu...
— Você se desculpa demais. Não tem problema nenhum. É bom não ser o único desastrado por aqui. — Ele sorriu, ainda me olhando nos olhos.
— Então, vou indo para minha segunda aula. — Conferi o cronograma e li em voz alta. — Teoria da Literatura.
— Bem, como você é nova por aqui, eu posso te acompanhar, para não se perder. Sabe, eu também faço Letras. — Ele pareceu meio tímido — Se você quiser, é claro.
— Claro. Isso seria muito gentil da sua parte. — Respondi para deixá-lo mais tranquilo.
Fomos andando e ele me contou que estava no 4º semestre de Letras, com habilitação em português e francês. Eu contei que ingressei agora em Letras português e inglês. O Theo, como ele prefere ser chamado, parecia ser uma pessoa muito simpática, mas de poucos amigos. Fiquei feliz de poder conversar um pouco com alguém até a aula começar. Me senti menos deslocada.
Quando deu o horário, me surpreendi que o Theo entrou na sala comigo. Ele disse, meio orgulhoso, que era o monitor daquela disciplina. Não deu tempo de abrir a boca, pois, bem na hora, a sala de aula foi invadida por uma enxurrada de veteranos, gritando e batendo panelas. Isso mesmo, BATENDO PANELAS.
No mesmo instante, o Theo se colocou na minha frente, como se fosse me proteger de um tiro. Quando passou o susto inicial e percebeu do que se tratava, ele se despediu de mim e disse que o professor devia ter o avisado que seria trote, assim ele não precisava ter acordado tão cedo. Beleza que já eram 11 horas, mas nem falei nada.
Quando ele estava saindo da sala, notei que tinha dito algo para o veterano que estava organizando o trote. Depois, ele só me olhou e disse — Aproveite!
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Aconteceu na faculdade
RomanceLila é uma garota que sonha com os clichês das histórias românticas que ela passou a vida toda lendo e assistindo. Ao se mudar para sua nova faculdade, para cursar Letras, ela se vê de frente com situações e pessoas que ela não sabe como lidar. Ela...