Capítulo 11 - Passado

319 55 238
                                    

Fiquei esperando o beijo, mas ele não veio. Abri os olhos, e notei que o Theo tinha se afastado um pouco de mim.

Eu estava morrendo de vergonha. Como fui deixar isso acontecer? Logo eu que não fico com ninguém. Agora, o que será que ele vai pensar de mim? Meu rosto ficava vermelho cada vez mais.

— Me desculpe por isso. — Falou o Theo, com grande esforço. — Eu não posso. Eu quero, mas não posso.

Quando o vi, notei que ele estava extremamente corado, assim como eu.

— T-tudo b-bem. E-eu e-entendo...

— Não. Não entende. É que... — Ele fecha o punho direito e se apoia em um pequeno armário. Estava de costas e inclinado pra frente, como se estivesse cansado. Então, prosseguiu.

— Carlos é meu melhor amigo desde os meus 8 anos. Como ele te trata, como fala de você pra mim. E-eu nunca o vi agindo assim com nenhuma menina. Não posso tirar isso dele. — Ele suspira.

— A amizade de vocês é sincera e muito bonita. — Consegui falar, após uma pausa.

— Sim. Assim como a sua com o Nathan. — Ele sorri pra mim — Eu noto como vocês são próximos.

— É, bem... Éramos vizinhos. Crescemos juntos. Quase irmãos. Acho que a Juliana sempre teve um pouco de ciúmes de mim com ele...

— Sabe como conheci o Carlos?

Fiz um não com a cabeça.

— Ele... ele me ajudou. Quando todos viraram as costas para mim. — Ele olha vagamente para o nada. Está perdido em suas lembranças.

Pensei que ele não falaria mais nada, porém ele me ofereceu uma cadeira. Sentei e ele se sentou na minha frente, continuando sua história.

— Quando eu tinha 8 anos, me mudei de colégio. Ingressei na escola nova logo no meio do ano. Bem... já era o meu terceiro colégio em um ano. As crianças... elas não me aceitavam. E-eu era diferente delas. Quer dizer, heterocromia não é muito comum em seres humanos e elas se divertiam me apelidando... Me sentia um ser a parte. Um não-ser-humano. E-eu queria ser normal. As pessoas agiam como se eu viesse de outro planeta. Algumas sentavam longe, com medo de mim, dos meus olhos. Outras... bem, digamos que eu era bem maltratado... As crianças podem ser muito más, sem perceber. — Ele me deu um sorriso triste — Eu não me adaptava à escola. Tudo o que queria era ter aulas em casa. Esse colégio foi uma última tentativa dos meus pais... Cheguei no primeiro dia de aula lá, e já me sentia incomodado. Sentia o peso dos olhares sobre mim. Uma turminha de garotos mais velhos vieram implicar comigo logo de cara. Confesso que achei normal, já estava acostumado com as piadinhas... Bem... Uma semana depois, parece que eles se cansaram de só falar. Começaram a me ameaçar, queriam me agredir. — A voz dele estava sufocada em sua garganta, notei que ele sentia dificuldades para falar.

Segurei sua mão e disse que ele não precisava continuar se não quisesse.

Ele respirou fundo, e olhou para o alto, contendo as lágrimas, e continuou.

— Eu passei a fugir todos os dias depois da aula. Já estava acostumado com agressões com palavras... mas nunca sofri nenhuma agressão física. Poxa, eu só tinha 8 anos. — Havia um tom de raiva em sua voz ao dizer isso. — Então, um dia, eles me encurralaram na quadra da escola, não consegui fugir. Eram 7 contra 1. Me encolhi, já esperando a surra. Foi quando o Carlos apareceu. — Ele sorriu ao se lembrar da cena — Ele chegou todo valentão, batendo nos meninos. Nós dois apanhamos feio naquele dia. Também conseguimos dar uns socos, poucos. — Mais um sorriso.

Ele se levantou da cadeira que estava sentado, perto da minha, e ficou, em pé, olhando pela janela do quarto. — Quando os garotos foram embora, estávamos ambos machucados. O Carlos sorriu pra mim, mesmo com o olho roxo, e se apresentou, como se nada tivesse acontecido. Eu o imitei e apertamos as mãos. Desde esse dia, ficamos inseparáveis. Dois anos depois, passei a usar lentes. E, uso até hoje. — Ele se virou para mim. — A surra que levei com Carlos, naquele dia, ficou na minha memória mais como uma briga de garotos, do que uma covardia de bullying. Eu devo tudo a ele, Lila.

Meus olhos estavam cheios de lágrimas. Não consigo imaginar por tudo o que ele passou. Por isso tem um temperamento mais reservado, mais fechado.

— Theo, eu sinto muito... — Falei com a voz embargada.

— Tudo bem, não sinta. Isso já faz muito tempo. As pessoas, hoje em dia, nem sequer sabem dessa minha anomalia genética.

Eu fiquei em silêncio e ele insistiu — Eu estou bem. Sério. — E abriu um sorriso. Eu sorri de volta e limpei as lágrimas que ainda estavam nos meus olhos.

Nessa hora, o Pedro chegou de uma vez, abrindo a porta e falando algo sobre estar cansado. Parou na porta e me olhou. Parecia confuso, mas logo abriu um sorriso.

— Oi! — Ele disse — Você deve ser a famosa Lila. É um prazer finalmente conhecê-la.

— C-como famosa? — Falei confusa.

— Ah, a Rosa me falou tudo sobre você. E, o meu caçulinha tamb...

Na hora, o Theo deu uma cotovelada no braço do irmão e ficou super vermelho. E bem fofo. — Bem, já está tarde e a Lila já estava de saída. — Falou, tentando mudar de assunto.

— Você também é super famoso pra mim. Rosa vive falando de você. — Disse, me despedindo do Pedro.

— É bom saber disso. — Ele abriu o maior sorrisão — Até mais. E, desculpa a falta de educação do Theo.

Theo fuzilou o irmão com os olhos e saiu do quarto, me acompanhando.

— Desculpe por isso. Te expulsar assim. O Pedro me tira do sério, às vezes.

— Tudo bem. Acho super fofo relação entre irmãos. Queria ter um.

— Eu não. — Brincou Theo. — Vem, eu te levo até seu alojamento.

— Imagina, não precisa. — Tentei recusar.

— Já está super tarde. Não foi um pedido. É perigo andar por aí sozinha. — Ele falou já me puxando pelo caminho do campus.

— V-você está sem as lentes. Não vai ter problemas? Sabe, alguém pode te ver...

— Tudo bem, já está tarde. Todos já devem estar nos quartos. E... bem... faz tempo que não dou uma volta observando as coisas com meus próprios olhos. Se é que me entende.

Eu sorri para ele.

Chegamos no prédio do meu alojamento, me virei para ele e agradeci por tudo.

Ele chegou mais perto de mim, ficamos bem próximos. Eu só olhava para aqueles olhos, porque não tinha certeza se conseguiria voltar a vê-los.

Ele chegou ainda mais próximo do meu rosto, mas pareceu mudar de ideia e apenas me beijou na bochecha.

— Boa noite, dorme bem. — Ele disse, saindo.

— Você também. E, a propósito — Ele se virou para mim, e eu prossegui — Você está lindo. Eu prefiro seus olhos assim. Exatamente assim.

Ele sorriu abertamente e eu subi correndo as escadas do prédio.

Aconteceu na faculdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora