Capítulo Trinta e Cinco

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Henrique nunca tinha visto o sol nascer

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Henrique nunca tinha visto o sol nascer. Era calmo e brilhante e, definitivamente, longo demais para o seu gosto. A luz quente lentamente invadindo sua visão e forçando seus olhos a se fecharem.

O que o levava a outro fato.

Nunca tinha dormido em um carro.

Para sua grande surpresa, havia conseguido chegar à casa de Ayla sem cometer nenhuma infração de trânsito ou atropelado alguma pessoa. Mas quando se lembrou do que acontecera com as chaves, e que já era, provavelmente, tarde demais para sair pela cidade em busca delas, deu-se por vencido, abstendo-se da responsabilidade de ligar o carro mais uma vez e acomodando-se por ali mesmo.

Os raios de sol cada vez mais fortes o acordaram completamente, e ele se remexeu no banco, esticando seu corpo para se realocar — talvez tivesse quebrado um pouco de seu pescoço no processo e arruinado boa parte de suas costas, mas quem estava reclamando? Com o relógio marcando pouco mais do que seis horas, percorreu os olhos por todo o carro, verificando-o de uma ponta à outra até enfim repousá-los na garota ao seu lado.

Ela parecia exatamente como alguém deveria parecer enquanto estava dormindo, apenas um pouco mais bonita do que o normal. Quando outro raio de luz adentrou o lugar, atingindo o seu rosto, Ayla franziu levemente as sobrancelhas, um pequeno vinco de insatisfação formando-se entre elas. Henrique suspirou. Até então, ele não achou que ela estivesse acordada, e pareceu uma eternidade até finalmente escutá-la falar.

— Sabia que é estranho ficar vendo os outros dormirem?

— Sério?

— “Atividade suspeita” — pronunciou baixinho. — Algumas pessoas ficariam desconfiadas.

— Que bom que você é você e não outra pessoa.

— Certo — resmungou de olhos ainda fechados —, você tem mesmo muita sorte.

Henrique conteve um sorriso, porque entre todas as possibilidades, aquela havia sido sua primeira conversa do dia, um sábado de manhã onde quase ninguém havia acordado. Quando Ayla não falou mais nada e ele presumiu que a conversa tivesse acabado, olhou para frente, prendendo o olhar no pequeno rádio que havia ali e tendo uma ideia. Música? Por que não? Ligou, deixando que tocasse no aleatório. Ain’t No Mountain High Enough era uma música antiga, foi o que Ayla disse ao escutar o primeiro verso. E realmente era. A mãe de Henrique ainda não havia atualizado a lista de canções do carro.

— Então — retomou voltando-se para ela. — Você precisa de dinheiro.

— Hum-rum.

— Espero que o bracelete ainda esteja por perto.

— Esquece a recompensa. Vamos roubar um banco, soube que lá tem muito dinheiro, propina etc. — murmurou em segredo. — Vamos nos dar bem.

Henrique deu de ombros, não achando a ideia totalmente horrível. Ainda assim, parou de falar, deixando que o assunto morresse aos poucos. Era cedo demais para discutir sobre recompensas de qualquer forma. Talvez estivesse meio angustiado com a possibilidade de Ayla precisar voltar a morar com os seus pais? Talvez. Mas só teriam que se preocupar com Fátima, Fox e todo o resto depois do almoço; até lá, esperava que ela já tivesse recuperado um pouco mais de suas esperanças.

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