FLASHBACK - iris

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Victoria: Apenas 15 dias tinham se passado desde que Harp tinha nascido. Essa primeira semana era muito importante, é um período de adaptação, de estabelecimento de rotinas. Ninguém te prepara para a responsabilidade de alimentar um ser mais de 10 vezes por dia, de proteger aquele pequeno anjo que é apenas uma extensão de você, e no meio disso tudo ter compaixão com você mesma. De um dia para o outro, encarei um corpo que não sentia que era meu, com muita pele em excesso, partes doridas e um cansaço interminável.

Damiano: Eu tinha acabado de ter alta do hospital, depois de quase duas semanas em um estado em que nem sabia quem eu era. Nesses dias fiquei forçadamente sóbrio, com tremores nas mãos e a ver coisas, ao que chamam de alucinações.

Leonardo Grillo (empresário, diretor, amigo do grupo Maneskin): Eu agia como se tudo estivesse sobre controle, mas a verdade é que lá no fundo, eu estava aterrorizado. Damiano estava pesando 59 quilos, tinha perdido toda a sua força e o brilho nos seus olhos. O meu melhor amigo de anos tinha deixado se consumir pelas drogas, e o que eu não compreendia era o facto de ele ter me afastado.

Laura Alfonsi Castelli (fotógrafa e socióloga, ex-mulher de Ethan Torchio): A raiva era enorme. A Victoria não precisava da presença de nenhum salvador, mas vê-la parindo sozinha em um parto longo e doloroso foi algo difícil de ver. Pessoas que tiveram a oportunidade de conhecer o Damiano sabem que nunca nessa vida ele iria faltar a um momento desses.

Nica de Angelis (empresária, modelo, irmã de Victoria de Angelis): Posso dizer uma coisa? Ele não via minha irmã como uma pessoa enquanto ela estava grávida, mas apenas como uma incubadora. A gente os dois já falamos disso diversas vezes acho que ambos concordadamos nisso.

Victoria: Todo o mundo estava ajudando. Harp achava a voz de Nica muito familiar, de forma que fora do ventre essa era das únicas coisas que ela conhecia. Ethan tinha uma paciência enorme de ficar com ela no seu colo. Ela era tão pequena que tinha o mesmo tamanho do seu antebraço. Eu sabia que eles estavam dando o seu máximo para me distrair da realidade, que era muito dura. E por alguns momentos, consegui acreditar neles.

Leo: Eu aterrei em solo escocês 2 dias antes do casamento, com Damiano. Eu queria acreditar que a situação não era assim tão má, mas era.

Damiano: Acabei por aceitar a proposta dele. Mal o casamento acabasse, voltaria a Itália e entraria em reabilitação por um tempo mínimo de 6 semanas.

Leo: Uma das coisas que tinha exigido a ele era um pedido de desculpas a Vic. Mas para isso, ele precisava estar ciente de que ele tinha feito algo de errado. E ele não estava.

Nica: Quando Leo me ligou dizendo que Damiano estava em Glasgow, eu fiquei com uma raiva enorme. E quando ele disse que ele queria ver a Harps, mais puta fiquei. A minha vontade era de fingir que nunca ouvido aquelas palavras; e nem sabia como contar isso à Vitto.

Damiano: Me lembro vivamente de que à entrada do nosso quarto de hotel, Leo olhou bem no fundo nos meus olhos, pegou nas suas mãos e me encostou a uma parede. Ele me disse que se eu não tivesse nada de bom para falar, que era melhor eu ficar calado. E assim fiquei.

Victoria: Antes de ele chegar no quarto, Nica apenas me comunicou para eu ficar no banheiro. E lá fiquei.

Leo: Eu conhecia Nica até demais. Ela nunca teve medo de falar o que pensava, e eu sabia perfeitamente que ela tinha argumentos mais do que válidos para fazer isso no momento em que Dam pisasse o chão daquele quarto. Por isso ela foi das primeiras pessoas a saber da sua overdose.

Victoria: Harp estava agarrada gentilmente ao meu braço, de banho tomado. Alguns vestígios de que ela tinha estado dentro de mim estavam desaparecendo, e o seu cordão umbilical estava pronto para cair. Me lembro desse momento porque essa foi a primeira vez que eu senti o quanto eu precisava dela, e ela de mim. O espírito materno não nasce com algumas pessoas, e eu admito que por muito tempo achei que era uma dessas pessoas. Mas, ao que parece, isso foi transplantado para a minha alma.

Damiano: Na primeira vez que vi a minha filha, eu estava anestesiado em uma dose gigante de sertralina. Acho que essa frase é auto-explicativa.

Leo: A gente entrou naquele quarto e Nica estava sentada na cama, rodeando a Harper, que estava adormecida em um pequeno berço, e eu via a Vic em todas as suas características. Os seus olhos amendoados, os lábios simples mas marcantes, e o intemporal cabelo loiro. E no momento em que olhei para Dam, percebi que as nossas reações não eram compatíveis.

Damiano: Eu tinha passado aqueles anos todos pensando como aquele momento seria durante todas as injeções que eu levava para determinar se eu era infértil ou não. Mas eu não sentia nada.

Nica: Os seus olhos tinham um espaço deserto que dava para encher o Coliseu, e por mais que ele tivesse sido um idiota, vê-lo assim doía demais.

Victoria: O chuveiro estava ligado, e eu entrei dentro dele quando senti a porta do quarto a trancar. Senti a roupa molhada colada ao meu corpo quando entrei em contacto com a água, e água também saía dos meus olhos, e uma chuva de memórias voltaram para a minha mente, de momentos em que eu sabia que estava viva apenas em momentos em que via sangue a sair da minha pele. Eu podia ter desistido naquele exato momento, e não me faltavam razões para o fazer. Mas um certo ponto, você aprende que você tem que viver com a escuridão à sua volta tanto como você vive com a que vive dentro de você mesmo.


And you can't fight the tears that ain't coming
Or the moment of truth in your lies
When everything feels like the movies
Yeah, you bleed just to know, you're alive.

Goo  Goo Dolls, Iris.

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