GOLDWING

chapter 55

Palácio de Justiça de Paris.
5 de outubro.

VICTORIA'S POV

"Excelentíssima senhora juíza presidente, diletos colegas de defesa, primorosos servidores da justiça, familiares das vítimas, familiares do réu, cumprimento e por final aos jurados sorteados, me apresento aqui hoje primeiramente defender o caso da vítima Angelina David. Pela noite do dia 18 de fevereiro de 2024 às 02:43, a senhora Victoria, sua mãe, de 25 semanas de gestação, apresentava fortes dores abdominais. Acompanhada do seu companheiro Damiano, recebeu o diagnóstico de sofrimento fetal pela quantidade de líquido amniótico que se encontrava no útero. A mesma foi submetida a uma cirurgia cesariana às 8:30 do mesmo dia, com claros sinais de pouco sinal do feto e batimentos cardíacos irregulares, que se finalizou às 15:02 após o nascimento de Angelina Grace de Angelis David, tendo sido noticiado um sangramento no abdómen e em canais de ligação ter sido detetado, resultante de uma Coagulação Vascular Disseminada por causas desconhecidas. Angel foi diagnosticada 1 semana depois de nascer com Síndrome de Disconforto Respiratório Neonatal. 2 dias depois, faleceu de uma paragem de cardíaca. A arguída Corinne Leándre era responsável por essa bebê, tanto como em muitos outros," introduziu a promotora.

Se seguiu a introdução de Ambre, Léna, Aaron, Adele, Hans, Ingrid, Arthur e  dos gêmeos Ezra e Ophelia. Sabia os nomes deles todos, era por eles que estavámos lá unidos. Vi lágrimas a sair dos olhos de Dam quando falaram da nossa filha. Reparava que o seu olhar estava fixado nos dois anéis que ele tinha nos dedos: A e H. Angel e Harper, ou Harper Aria. Ele vestia uma camisa de botão creme e uma calça preta, combinando comigo sem querer, que estava com uma camisa idêntica porém aberta com uma camisa de malha por dentro. O brilho do meu anel de casamento me fazia também lembrar o porquê de eu ter de ser mais forte. Porque eu tinha apoio, porque eu amava ele, apesar de tudo.

Foi um dia inteiro de pressão. O primeiro de 6 dias de julgamento tinha acabado. A introdução dos outros casos foi de partir o coração, de ver pessoas que eram memórias do nosso passado à nossa frente anos depois, desfeitas em pedaços. Sou eternamente grata a Claire por ter conseguido me contactar e ter tido a iniciativa de ter divulgado essa investigação. Tudo havia começado por umas inconscistências nos processos de saúde dos seus gêmeos quando ela se mudou para a Alemanha. Um tempo depois, os registos de exames neonatais em Ezra nunca tinham estado registado no seu processo de saúde. Foi uma questão de tempo até pegarem nos registos dos bebês da UTI neonatal dentro do mesmo espaço de tempo e terem notado que as mesmas anomalias se notavam em outros bebês. Por isso é que fomos chamados a testemunhar, para ligarem os pontos e verem o que estava errado, a razão pela qual eram só em casos de bebês especiais que inconsistências aconteciam.

Esse dia nos destruiu. Ouvir a história de Angel recontada por outra pessoa parecia algo ainda muito chocante. O medo de que mais tarde ou mais cedo alguém viesse a descobrir era grande. A nossa família e amigos estavam do nosso lado, ficavam horas connosco em FaceTime. Falamos com outros pais, que tiveram experiências como as nossas, de ter os seus filhos na UTI. Conhecemos os gêmeos de Claire que já tinham 4 anos, e eram a coisa mais fofa do mundo. Em pequenos, eles tiveram Síndrome de Transfusão Feto-Fetal, onde Ezra teve que lutar pela vida por semanas. Adele e Arthur, as crianças neurodivergentes. Ingrid, com uma deformação congênita no coração. Léna, a menina que teve uma deformação fetal no fim das costas e foi operada logo depois de nascer. Essas eram as crianças que ainda estavam nesse mundo. 

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Paris, 8 de outubro.

O som do meu salto alto se fazia ouvir na calçada das escadas do Palácio da Justiça, junto com o ruído que os pequenos pés de Harper faziam. As suas duas mãos pequenas eram ocupadas por uma mão minha e outra de Dam, que estava a cada dia a se aproximar mais dela. Nos encontramos com outros pais, que também traziam seus filhos, que seriam cuidados durante o julgamento, enquanto Harp tinha a sua babá. Ela vestia uma túnica de manga comprida lilás com o cabelo amarrado em duas partes, para dar forças à irmã. Eu e Dam variamos da roupa de 3 dias antes para um blazer e calça jeans larga. Fomos oficialmente entitulados como os pais mais estilosos, os que eram mais novos e que pareciam ter vindo do século passado. A cada dia, a nossa relação ganhava a cumplicidade que tinha perdido nos últimos tempos. Ele falava muito sobre Harper, perguntava muitas coisas sobre ela, sobre as suas preferências, sobre tudo o que ele tinha perdido. Apesar de minha irmã me ter dito para não o aceitar de volta sem pedir desculpa, ele parecia já ter feito isso, por tudo o que ele estava fazendo, por estar a retomar o papel que tinha perdido. Ele não me falou em quase momento nenhum da sua sobriedade, só me disse para eu ficar com os seus remédios.