28_ 5,4

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Me sentei na cama segundos antes de Íris entrar no quarto com um olhar desesperado. Ela também já tinha trocado de roupas, somente o cabelo estava molhado e pingando pelo chão da casa.

ㅡ O que foi? O que foi? O que aconteceu? ㅡ Ela se sentou ao meu lado e tocou meus ombros procurando em meu rosto uma resposta.

Eu não estava mais chorando tanto, mas ainda assim não consegui responde-la com palavras. Minha garganta parecia estar fechada.

Trevor, que estava em pé ao lado da cama com o meu celular em mãos, direcionou o celular para Íris. Ela se levantou e começou a ler as postagens. Pude ver suas sobrancelhas franzindo lentamente a medida que ela lia.

ㅡ Quem fez isso?? Que palhaçada é essa?? ㅡ Kevin apareceu na porta do quarto sem entender o que estava acontecendo e se aproximou.

ㅡ Não sei ainda, mas já entrei em contato com um amigo meu e ele pode tentar rastrear o perfil. De qualquer forma, ele já vai conseguir bloquear. ㅡ Eles continuaram conversando sobre denunciar o perfil, mas o perfil era minha última preocupação. Minha insegurança estava aflorada e, no momento, me sentia horrível. Quis ficar sozinha. Quis chorar sozinha. Lembranças da minha adolescência começaram a vir na minha mente e eu só me senti pior.

ㅡ Amiga... ㅡ Íris voltou a se sentar na cama quando percebeu que eu estava voltando a chorar e me abraçou. ㅡ Não liga para esses idiotas. São todos desocupados e invejosos!

Eu assenti fingindo entender e concordar, apenas para acabar com aquele momento. Disse que estava bem e que só precisava descansar um pouco.

Eles saíram do quarto e fecharam a porta. Apaguei a luz do quarto e me deitei na cama. Como já estava escurecendo lá fora, não tinha muita luz entrando no quarto.

Agarrei o edredom em cima de mim e apertei com força, assim como meus olhos. Os fechei com força tentando não sentir aquele sentimento. Aquele sentimento... De novo.

Flaschback on.

ㅡ Sophia... ㅡ Ouvir o meu nome sendo dito pela professora acelerou o meu coração. Eu estava com esperanças, com expectativas. Tinha quase certeza de que tinha ido bem naquela prova, porque tinha estudado muito. Eu tinha me esforçado e dado o meu melhor. Eu tinha ido bem. Eu tinha que ter ido bem. ㅡ  5,4.

Os números ecoaram na minha cabeça por vários minutos. Minutos em que minha esperança foi pega, lançada sobre o chão e pisoteada.

5,4. 5,4. 5,4. 5,4.

A professora continuou a falar as outras notas, mas meus ouvidos pareciam estar embaixo d'água. Eu parecia estar embaixo d'água, afundando, afundando e afundando.

As pessoas falam que uma nota não define quem somos, mas aquela definiria. Definiria quem eu seria quando chegasse em casa naquela noite com uma nota abaixo de 9.

Eu não chorei em sala, mas chorei no ônibus o caminho inteiro até em casa. Chorei me sentindo uma pessoa inútil, sem propósito, sem talento, sem dom, sem nada.

ㅡ Mãe... ㅡ Entrei pela porta da sala e já a vi sentada sobre a mesa de jantar com o notebook aberto e os óculos no rosto, o que significava que ela estava com sua armadura. A armadura de super bem que " só quer o melhor da filha ". Da filha inútil. ㅡ Recebi o resultado da prova da semana passada.

ㅡ E então? ㅡ Ela me encarou por cima dos óculos com as sobrancelhas arqueadas.

ㅡ Eu... ㅡ Minha voz falhou. Sumiu.

ㅡ Fala, Sophia, vamos precisar voltar com suas aulas de dicção?  ㅡ Neguei com a cabeça. ㅡ Então, fale. Quanto você tirou?

ㅡ  5,4. ㅡ Falei tão baixo que eu mesma mal escutei.

ㅡ  O que? Eu não escutei nada. Fala pra fora, Sophia! ㅡ Seu grito ecoou pela casa enorme que morávamos. Casa essa conquistada por ela com seus talentos e esforços, o que ela constantemente exigia de mim.

ㅡ 5,4! ㅡ Falei no mesmo tom que ela. Escutar aquela nota ecoar pela casa inteira foi como escutar o quão fracassada eu era.

Minha mãe me encarou por uns segundos parecendo não acreditar. Ela retirou os óculos com cuidado do rosto, fechou o notebook, se levantou e veio na minha direção com seus passos calmos e direitos. O som do seu salto caro batendo no chão se assemelhava às batidas desesperadas do meu coração.

ㅡ Sophia... ㅡ Ela tocou o meu ombro e abriu um sorriso amarelo. ㅡ Olha, você já vai fazer quinze anos, já vai para o ensino médio e em breve para a faculdade. Se continuar sendo tão burra, como conseguirá cursar direito como a mamãe?

ㅡ Eu não... Eu não quero cursar direito. ㅡ Choraminguei abaixando o rosto, mas ela tocou o meu queixo e me fez olha-la novamente.

ㅡ O que eu te falei sobre encurvar a cabeça? ㅡ Engoli em seco sentindo as lágrimas molharem ainda mais o meu rosto. ㅡ Pare de chorar, já não basta não ter nenhuma utilidade, ainda tem que chorar por tudo? ㅡ Seu sorriso falso sumiu e ela voltou a falar alto.

ㅡ Eu sou útil... ㅡ Tentei debater com ela, mesmo sabendo que jamais conseguiria vencer nenhuma discussão.

ㅡ É mesmo?? Me fala em que você é útil. Fala! Você não é boa na escola, nenhum clube que te coloquei de esportes você conseguiu acompanhar, até te inscrevi naquela porcaria de estúdio de dança que você queria estudar, mas você não conseguiu passar. Você não sabe fazer nada, Sophia! As filhas dos meus colegas de trabalho tem a sua idade e já fazem coisas incríveis na vida! Uma delas até está nesse estúdio que você queria, é bailarina avançada! Sabe o que é isso? Ser avançado em algo? É claro que não. Você não sabe nem o que é ser mediano. ㅡ Ela virou as costas e passou a mão na cabeça, puxando os cabelos para trás.

ㅡ Mãe... ㅡ Dei um passo a frente.

ㅡ Vá para o seu quarto. Você tem muito o que estudar. ㅡ Engoli o choro e caminhei na direção das escadas. ㅡ E nada de ficar dançando lá dentro! É para estudar! ㅡ Ouvi seus gritos, mas ignorei e corri para o quarto.

Fechei a porta atrás de mim e desmoronei no chão. Eu odiava sentir aquilo. Odiava sentir que eu não servia para nada, que eu não era boa em nada, que eu era simplesmente uma inútil. Odiava olhar para outras garotas da minha idade e me sentir completamente inferior.

Nunca me comparei com relação à minha aparência, afinal, eu havia puxado a minha mãe e ela era deslumbrante. Minha comparação era com os feitos das pessoas, visto que eu não conseguia fazer nada direito. Minha única paixão na vida era dança, mas quando consegui convencer minha mãe a me deixar fazer uma audição na CA, fiquei nervosa e insegura e não consegui passar. Eu não tinha nada.

Ao contrário do que minha mãe havia me mandado, eu dancei, sim, no quarto naquela noite. Dancei porque a dança era meu meio de expressar o que eu sentia, já que eu não conseguia falar.

Eu não conseguia nem falar... Eu realmente era uma inútil.

Flashback off.

A dor no meu peito era grande, assim como a que senti durante a minha adolescência naquela casa. Ler aqueles comentários falando da minha única paixão, que era a dança, foi como ouvir a minha mãe de novo.

Eu chorei. Chorei até adormecer.

[...]

Acordei sem saber que horas eram. Peguei o celular e vi que já eram quase nove horas da noite e rapidamente percebi que estava com fome.

Me levantei da cama sentindo a minha cabeça doer. Prendi o cabelo, calcei o chinelo e andei pelo quarto escuro. Abri a porta encontrando o corredor. Não somente o corredor.

Assim que abri a porta, Trevor olhou para mim. Ele estava sentado numa poltrona que tinha no corredor, bem na frente da minha porta.

ㅡ Você está bem? ㅡ Ele se levantou. Notei uma garrafa de água pela metade e um prato vazio na mesinha ao lado da poltrona.

ㅡ Você ficou aqui? ㅡ Indiquei o prato e ele olhou na mesma direção.

ㅡ Queria me certificar de que você estava bem. ㅡ Ouvi-lo fez o meu coração acelerar novamente. Encarei o seu rosto preocupado e senti novamente o meu sentimento por ele crescendo em mim.

•••
Continua...

Te Pedi para a Estrela CadenteOnde histórias criam vida. Descubra agora