Capítulo Um

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Eu encarava o rosto do meu marido no boletim de desaparecimento.

O maxilar quadrado, tomado por uma barba rala, os olhos grandes com os cílios mais longos que já vi, o nariz levemente arrebitado na ponta e os lábios finos. O conjunto era arrebatador e sempre me deixava sem ar ao olhá-lo, como se tivesse sido desenhado por mãos habilidosas.

Nunca pensei que estaria encarando o rosto do meu marido em um boletim de ocorrência. Fazem duas semanas que meu marido e minha irmã desapareceram sem deixar rastros. Pensamos que poderiam ter fugido juntos, mas Daniella nunca deixaria seus filhos para trás, nunca abriria mão da chance de uma pensão.

Verificamos todas as câmeras ao redor da casa da minha irmã e da minha própria casa. Brian buscou Daniela com o carro dele na casa dela e, depois disso, o veículo foi capturado por uma câmera de um comércio próximo, desaparecendo como fumaça.

Assim como minha irmã e meu marido.

Todos na minha divisão pensam a mesma coisa: Brian e Daniella estão envolvidos em um caso extraconjugal, traindo seus respectivos parceiros. Mas algo parecia fora do lugar. Brian nunca mostrou indícios de traição, ao contrário de Dani, que colecionava casos extraconjugais e flertava com a mesma facilidade com que respirava.

Ouço meu nome sendo chamado ao fundo da minha mente, mas tudo o que consigo olhar é o maldito boletim de ocorrência, para os olhos castanhos mais lindos e carinhosos que tive o prazer de admirar por longos anos.

— Senhora Becker!

A voz esganiçada do meu colega, cujo nome não consigo lembrar, me traz de volta ao mundo real. Percebo que cerrei os punhos tão forte que cortei as palmas das mãos com as unhas.

— Encontramos sua irmã.

Ele me olha de forma solidária ao dar a notícia, e já espero pelo pior.

— Ela está aqui no batalhão? — pergunto, me levantando, alarmada.

— Tentamos, mas ela está pedindo por você. Não conseguimos trazê-la para cá.

Dizia, preocupado com a minha reação.

— Me leve até onde ela está.

Levanto-me rapidamente da mesa, pego minha jaqueta e um colete à prova de balas, por precaução.

— Podemos ir com o meu carro.

Ofereço, pois no meu carro eu me sentiria no controle de algo, pelo menos.

— Pedro pediu que fôssemos com a viatura. Assim, você pode focar na abordagem com a sua irmã, sem se preocupar com o trânsito.

Dizia gentilmente. Ele estava com medo de que eu tivesse alguma reação explosiva, mas no fundo, entendo sua preocupação. Eu também teria receio de uma pessoa armada, passando por tanto estresse e preocupações. Às vezes, um mínimo empurrão pode resultar em uma tragédia.

Aceitei as condições e seguimos para a viatura, onde tentei arrancar alguma informação sobre o estado da minha irmã, o local onde foi encontrada e se Brian estava com ela. Eu estava tensa, preocupada, e só queria pôr fim ao turbilhão de emoções, ansiando pela verdade, acima de tudo.

— Ela foi encontrada através de uma denúncia anônima, indicando o local onde estaria e suas condições. Até onde sabemos, uma mulher entrou em contato e informou que Daniella estaria em uma cabana, antigamente usada por pescadores que passavam a noite por lá. Fica a cerca de quarenta minutos do batalhão e, de acordo com a denúncia, ela está com alguns ferimentos leves, mas foi algemada porque estava muito agressiva.

Relatou as informações necessárias e ficou em silêncio no restante do caminho. Mas, pela forma como apertava o volante e coçava a nuca, eu sabia que ele havia sido avisado sobre o meu temperamento recentemente.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora