Origens (parte quatro)

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Curitiba, Paraná

6 anos atrás.

Quatro meses de calmaria se seguiram ao jantar na casa dos Becker. Brian finalmente me deixara em paz, e Otto parou de bancar o cupido. Minha mente estava mais organizada e tranquila agora que não tinha duas pessoas me tirando a paciência. No fundo, eu desconfiava de toda essa calmaria e sabia que algo aconteceria em breve.

A confirmação veio duas semanas depois, durante uma reunião geral com todos os advogados. Otto cantarolou:

— Todos animados com a confraternização de fim de ano?

Várias confirmações e risadas ecoaram pela sala. Vitor me olhou, tão confuso quanto eu, e esperamos a comoção diminuir para perguntar:

— Qual confraternização?

Sinceramente, já estava atordoada ao perceber que o ano novo estava a apenas um mês e meio de distância, e que logo seria meu aniversário também. O ano passou tão rápido que parecia que eu dormi em algum momento e só agora estava acordando, com os recessos tão próximos.

— Nossa tradicional confraternização de fim de ano! Todos nós nos reunimos em algum resort para a virada do ano. Este ano, escolhemos um resort em Alagoas, a propósito. Partimos no dia 26 e voltamos no dia 2 de janeiro.

A explicação de Otto só nos deixou mais confusos, mas os advogados mais antigos pareciam crianças em excursão. Assobios e palmas ecoaram pela sala enquanto todos já faziam planos para arrumar as malas, mesmo com a data ainda distante. Estavam empolgados pelas férias de fim de ano, merecidas.

No fim da reunião, pedi para falar com Otto para recusar a confraternização. Estava economizando para minha casa própria e me recusava a gastar sete mil reais em oito dias em um resort de alto padrão. Por mais que tivesse algum dinheiro guardado, eu tinha minhas prioridades e planos.

— Senhor Becker, gostaria que meu nome fosse retirado da lista da confraternização. Tenho outros planos para o fim de ano.

Sorri, tentando ser convincente. Meu chefe não precisava saber que minha virada de ano seria no meu apartamento com a Kim, chorando sobre todo o caos em nossas vidas e pelo recente episódio com o pai insalubre dela, nem dos meus planos financeiros.

— Como advogada, esperava que fosse uma mentirosa melhor. Vitor já me contou que você vai passar o ano novo enfurnada no seu apartamento e que está economizando para a casa própria. Pode tirar o cavalinho da chuva, a estadia no resort é paga por nós, com direito a um acompanhante. Então, sugiro que faça as malas.

Fiz uma careta ao saber da língua solta de Vitor e me preparei para rebater Otto, que me olhava divertido, me desafiando a respondê-lo. Me incomodava que pessoas além do meu círculo íntimo soubessem dos meus problemas, e Vitor fez questão de compartilhá-los com quem eu não autorizei.

— Vai me dizer que não merece férias bem pagas como essa, Clara? Vamos lá, você é brilhante e trabalhou muito; precisa tirar uma folga, você merece. Além do mais, adoraríamos vê-la mais descansada, ajuda a pensar nos casos com mais clareza.

No fim das contas, concordei com ele e pedi para levar Kim comigo. Otto, claro, insinuou se Kim seria minha namorada, e não fiz nada para desmenti-lo. Uma folga dos trabalhos de cupido do meu chefe parecia conveniente. Agradeci as férias e fui atrás de Vitor, encurralando-o perto da cafeteira.

— Então, soube de uma informação curiosa hoje. Alguém contou ao nosso chefe sobre meus planos de ano novo e minha situação financeira. Fico me perguntando quem seria próximo o suficiente para compartilhar essas informações, que eu pedi para serem mantidas em segredo.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora