Capítulo Quatro

189 26 284
                                    

TW: temas sensíveis como aborto e crise de ansiedade.

---------------------------------------------

Estava atrasada para o meu primeiro dia de estágio na Procuradoria Geral. Corria desesperada pelas ruas, tentando compensar o atraso de trinta minutos do ônibus. A culpa não era apenas do motorista, claro; parte dela também era minha, por ter sido descuidada e deixado minha camisa à vista. Daniela a pegou e a fez em pedacinhos.

Todos os gritos e insultos raivosos não trariam minha camisa de volta. Então, vesti a mais formal que encontrei e corri para o ponto de ônibus, sob um calor infernal, em pleno verão, no centro de Curitiba.

Nunca fui fã de grandes centros urbanos. Prefiro a paz de uma cidade menor e menos caótica. A vida com duas pessoas que amam gritar me fez desenvolver uma aversão a sons altos e aglomerações. Para mim, o som do silêncio é maravilhoso.

Ao pisar no degrau imponente da entrada da Procuradoria, um bipe ritmado me alertou. De onde vinha aquele barulho? Abri a porta de madeira maciça e muito antiga e fui surpreendida por uma mata fechada, com um riacho correndo ao fundo.

O som da água corrente era pacífico, assim como o vento balançando as folhas das grandes árvores ao redor. Dei um sobressalto ao notar um homem alto, de costas para mim, próximo ao riacho. A postura e a estatura do homem me eram familiares, mas não consegui me lembrar de onde.

– Oi! Você sabe onde estamos? – perguntei, com o coração na garganta, aproximando-me dele. Ele não se moveu quando toquei levemente em seu braço.

– Moço? Você está bem? – insisti, tentando conversar, mas ele continuava imóvel.

Decidi encará-lo de frente e logo desejei jamais ter feito isso. Os olhos cadavéricos de Brian me encaravam. Sua boca estava fechada e completamente roxa, os cabelos cobertos de terra e folhas. O pior, no entanto, era a faca cravada em sua jugular, grande e afiada, dando-me medo até de olhar. Suas roupas estavam imundas e rasgadas, suas mãos cobertas de sangue seco e terra, e seus joelhos feridos, visíveis pelos rasgos em sua calça.

Não contive o grito de pavor e, para minha infelicidade, o cadáver de Brian imitou minha reação, abrindo uma boca grotesca de onde saíram minhocas, besouros, aranhas e várias moscas. Todo o meu corpo rejeitava aquela visão, e despertei no quarto branco do hospital. O aparelho que media meus batimentos cardíacos apitava freneticamente, e uma enfermeira com rosto meigo entrou correndo no quarto.

O cateter de oxigênio me incomodava, aumentando ainda mais minha falta de ar. Meu peito era esmagado pelo pesadelo. As lágrimas escorriam pelo meu rosto, e minha garganta doía tanto que parecia inchada; tudo o que eu queria era chorar em paz. Meu corpo todo tremia ao lembrar do pesadelo e da possibilidade de encontrar o cadáver do meu marido.

– Senhora Becker, por favor, tente se acalmar – disse a enfermeira, tocando levemente meu braço. O ataque de pânico me sufocava e turvava minha visão. As lágrimas grossas escorriam, e eu só queria arrancar aquele maldito tubo do nariz, arranhando a pele do pescoço para tentar tirá-lo.

A enfermeira notou minha angústia e, calmamente, pediu que eu parasse de tocar o tubo. Ela removeu o cateter do meu pescoço e nariz, e senti a angústia aliviar um pouco. Tentei focar nos detalhes do quarto simples.

O aperto no peito diminuiu conforme eu observava o teto branco, e fechei os olhos, aproveitando o alívio de poder respirar com mais facilidade. A visão foi clareando aos poucos, e as lágrimas desesperadas deixaram de correr pelo meu rosto.

Pedi desculpas pelo susto que causei à enfermeira, que sorriu compreensiva. A mulher de feições gentis me olhava com ternura, lembrando-me de minha sogra, também enfermeira, igualmente carinhosa. Ela informou que chamaria o médico e voltaria logo.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora