Origens (parte um)

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Curitiba, Paraná.

6 anos atrás.

Meu dia não poderia estar pior.

Acordei atrasada para o trabalho, meu carro não ligava devido ao frio infernal de Curitiba, e meu sócio estava uma fera por conta do processo que perdemos. Nosso inteligentíssimo cliente decidiu que seria uma boa ideia plantar evidências de drogas no armário de um colega.

Sem verificar se havia câmeras ou até mesmo pessoas ao redor. Resultado: foi pego em flagrante tentando incriminar um colega de trabalho e perdeu cem mil reais. E o pior de tudo é que o gênio nem comprou as drogas para isso; eram dele.

Enquanto estava a caminho do escritório, Kim me ligou para o nosso encontro quinzenal, e eu iria encontrá-la na Secretaria de Comunicação da prefeitura, onde ela estagiava meio período para cumprir a carga horária da faculdade. Gostaria que o trajeto até o escritório demorasse um pouco mais, pois o clima por lá estava insalubre. Vitor, meu sócio, estava de cara fechada pelo processo e pelo esporro que levou do cliente, e nossa estagiária tentava apaziguar a situação.

Eu tentava me manter indiferente. Desde o início, avisei ao Vitor que esse cliente era problemático e que o caso dele seria prejudicial ao nosso recém-formado escritório de advocacia. As palavras "Eu te avisei" estavam estampadas na minha testa enquanto eu tentava seguir o dia da melhor forma possível.

— Clara, podemos conversar? — Vitor me chamou para sua sala, mas eu pedi que ele viesse até a minha. 

Se quisesse conversar, seria no meu espaço. Vitor se sentou, aparentemente contrariado por eu ter rejeitado a conversa no território dele. Parei de digitar e o encarei, esperando que continuasse com o que quer que ele tivesse para falar.

— Clara, nós nos conhecemos há bastante tempo, certo? — O rosto do meu sócio assumiu uma coloração escarlate. 

Sua inquietação incomum me deixou assustada, e pensei que ele queria fechar o escritório. Todas as nossas economias foram colocadas naquele escritório, e eu não queria perdê-lo. Para Vitor foi mais fácil; seus pais eram advogados e ele sempre teve tudo na palma da mão. Nosso escritório era o único trabalho que ele tinha tido na vida.

— Sim, eu diria que já nos conhecemos há mais de 4 anos, talvez. Estou assustada, está tudo bem?

— Está, eu... quero te contar uma coisa, mas não sei como. Vou ser direto, tudo bem? Estou apaixonado por você. Venho me sentindo assim há algum tempo e nunca tive coragem de falar nada, porque somos só amigos. Não espero que você me retribua, só precisava desabafar, até porque sei do seu lance com aquela garota.

Vitor disparou as palavras, ficando cada vez mais vermelho e nervoso, gesticulando freneticamente e afrouxando o nó da gravata. Achei que fosse sair correndo e gritando "fogo!", mas ele se manteve firme enquanto eu o encarava, sem saber o que dizer.

Que. Dia. De. Merda.

O tremor tomou conta das minhas mãos, e o calor subiu até minhas bochechas. Vitor me olhava, esperançoso, e isso quebrou meu coração. Nós éramos amigos desde a faculdade. Ele sempre me acolheu quando precisei e nunca me julgou, sempre esteve ao meu lado.

Mas eu só o via como um irmão. Um irmão que eu amava do fundo do coração e por quem não mediria esforços para ajudar no que fosse necessário. Mas isso eu não poderia dar; meu coração estava trancado há tempos e eu não sentia vontade de abri-lo para ninguém, nem mesmo para ele. Percebendo minha falta de resposta, Vitor perdeu o brilho no olhar e fez menção de se levantar. Então segurei sua mão.

— Vitor, eu te amo. Do fundo do meu coração, de verdade. Mas eu não posso te dar esse amor que você quer; não seria justo fingir nem mesmo pela nossa amizade. Você merece alguém que te ame da forma como merece, e eu te vejo como um irmão. Nunca poderia estragar essa amizade que temos.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora