Capítulo Treze

58 6 70
                                    

Meus olhos ardiam de tanto encarar a tela do notebook. Assistia às gravações que Armando me fornecera e estava tão entediada que parecia uma aula de direito tributário. Várias vezes me sobressaltei, cochilando em cima do notebook, com medo de aparecer mais um bilhete sinistro em minha cama.

Kim havia me deixado à vontade em sua casa enquanto saía para o trabalho e, enquanto minha amiga estava fora, decidi ocupar minha cabeça e faxinar a casa dela pela manhã. Precisava cansar o meu corpo para dormir melhor à noite. Depois de comer, decidi assistir às gravações e me concentrei para não perder nada.

Como Armando salvou as gravações de dois dias antes do desaparecimento, fiquei o mais atenta possível. A única movimentação estranha foi a de um carro tipo SUV preto; duas mulheres estacionaram no exato ponto em que Daniela mencionou que haviam parado o carro.

Como a imagem não era tão nítida, não consegui ver os rostos ou a placa do carro para obter alguma pista que fosse. Anotei o dia e o horário para consultas futuras e continuei assistindo às próximas horas de filmagem. Entediada e mentalmente cansada, adormeci sentada na cama.

Acordei assustada. O quarto estava escuro, e a tela do notebook ainda rodava a gravação. Pelo relógio, já passava das sete da noite, e a casa estava completamente silenciosa. Decidi verificar se Kim já estava em casa. Como ela era dona de uma editora, sempre trabalhava por longas horas e vivia correndo para todo lado, por conta do amor da vida dela, que era a editora.

Saí pela casa chamando por Kim e acendendo todas as luzes possíveis. Depois do bilhete em minha cama, estava com medo de ter alguém no escuro me observando, então mantive o quarto todo iluminado, como uma criança com medo do bicho-papão.

Como não obtive resposta e o carro dela não estava na garagem, decidi fazer o que melhor me acalmava quando estava com medo: cozinhar. "Assaltei" a geladeira de Kim, que estava recheada com todos os alimentos mais saudáveis possíveis. Como a noite estava fria, fiz um caldo verde com bastante couve e bacon, ou o que quer que fosse aquela peça defumada.

"Vienna", de Billy Joel, tocava no home theater enquanto eu cozinhava, e era o dia mais calmo que tive desde o desaparecimento. Me permiti tomar uma taça de vinho e aproveitar a calmaria enquanto podia; sabia que não teria muitos dias assim enquanto não encontrasse respostas. Mas, no momento, aproveitei para descansar e deixei que hoje não fosse um dia de luta como todos os outros.

Kim e Vitor chegaram enquanto eu finalizava o caldo, e eles ficaram particularmente felizes ao me ver. Desde o desaparecimento, eu quase não respondia às mensagens dos dois. Sei que não foi uma atitude muito legal da minha parte, mas meus amigos entenderam que estava passando por um período difícil e ofereceram ajuda e amparo no que precisasse.

— Clarinha, estou tão feliz em te ver!

Vitor me abraçou forte enquanto casualmente roubava um dos pedaços de bacon na bancada, rindo ao ser pego no flagra por Kim, e eu ria da interação dos dois. Já faziam cerca de quatro anos que meus padrinhos de casamento começaram a namorar oficialmente, depois de muitos trancos e barrancos, mas finalmente estavam juntos.

Eu me orgulhava tanto dos dois como indivíduos quanto do casal unido que formaram ao longo dos anos. Como Kim veio de uma família tradicionalmente japonesa, o pai dela não aprovava nenhum relacionamento que não fosse escolhido por ele. Ainda me lembro claramente do dia em que o pai de Kim tentou forçá-la a se casar com um homem trinta anos mais velho que ela. Minha amiga apareceu em meu apartamento aos prantos e me implorou por abrigo.

Kim morou comigo por mais de um ano, até que o pai finalmente decidiu cancelar o acordo com o homem asqueroso. Tudo isso aconteceu durante minha mudança para a Becker Advocacia e um mês após seu primeiro encontro com Vitor, há seis anos.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora