Capítulo Vinte e Quatro

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O caminho até a delegacia foi um borrão. Ouvia a voz de Pedro no fundo da minha mente, como se estivesse submersa, não resisti ou esbocei nenhuma reação à minha prisão, já sabia que tudo não passava de uma grande armação. Só não sabia o motivo.

Sabia dos olhares que meu superintendente direcionava a mim pelo retrovisor, uma mistura de preocupação, medo e raiva. Ele que se fodesse com todas as suas emoções, toda a confusão em sua postura se resumia em apenas de um único sentimento: culpa. Pedro mais do que ninguém sabia que eu guardava muitas informações sobre ele e seus casos fora do casamento, além de favorecimento entre colegas e investigados.

A culpa o corroía pois sabia que eu não estava tão errada na situação — o roubo de evidências e continuar trabalhando como policial mesmo estando afastada me deixava em maus lençóis —, mas Pedro já fez muito mais do que ignorar um simples telefone roubado da sala de evidência, varrendo muita sujeira para debaixo do tapete por simples "coleguismo", então, meu superintendente via-se desesperado para se livrar de mim.

Porém, ele se esquecia de que assim como ele poderia me ferrar, eu também poderia retribuir o favor. Dava graças aos céus por ter algumas provas contra ele cuidadosamente armazenadas em nuvem, para caso meu telefone fosse vasculhado durante a apreensão, não corria risco de perder nenhuma evidência.

Eu montava toda uma acusação e defesa em minha mente, pensando no julgamento que poderia ou não acontecer, argumentos e testemunhas que podiam ser usadas. Tinha plena consciência de que o julgamento seria sujo e desigual, pendendo sempre para o lado de Pedro e qualquer que fosse sua trupe, não esperava menos do que isso.

Além de saber muita sujeira sobre ele, também detinha o maior número de prisões — perfeitas, em sua maioria — ultrapassando até mesmo ele e considerando que estava prestes a me candidatar para a próxima superintendente, Pedro sentia-se ameaçado, mudando evidentemente seu comportamento nos últimos três meses desde que informei a ele das minhas intenções.

— Clara, você está me ouvindo? — Pedro chamou minha atenção. — Nós chegamos. — Observei com tristeza o batalhão de polícia em que costumava trabalhar e amar, agora sendo minha prisão.

Suspirei quando fui puxada gentilmente do carro por outro oficial que estava no banco traseiro da viatura comigo. O vento frio castigava meus braços e rosto, como um prelúdio do grande desastre que estava por vir.


Quarenta e oito horas malditas se passaram desde que fui presa, desde então tive mais impressões digitais coletadas do que poderia contar, meus pertences foram completamente vasculhados e o mais importante: não me veria livre tão cedo.

Logo depois que fui presa, Kim avisou Vitor — que ainda atuava como advogado — e meu amigo correu para um pedido de habeas corpus. Tudo correria bem para que fosse liberada na manhã seguinte, se não fosse pelo fato de que Pedro tinha evidências o suficiente para me manter presa.

Evidências essas que não poderia contestar, já que remover uma evidência da sala dos peritos e o depoimento do garoto da cafeteria em que usei meu distintivo — mesmo sendo legalmente obrigada a devolver enquanto estivesse afastada do meu cargo — não ajudavam a limpar minha ficha e conseguir minha tão adorada liberdade.

O interrogatório, um dia depois também não foi dos melhores, já que Pedro mandou um investigador incompetente para falar comigo e Vitor.

— Há quanto tempo seu marido está desaparecido, senhora Becker? — O investigador, cujo nome eu me recusava a sequer decorar, me questionava.

A expressão de satisfação por ser eu a investigada era tão visível que me enoja. Em termos de números de prisão, ele era o último e ainda conseguia prender ilegalmente, sendo alvo de tantas investigações internas que era risível que estivesse me investigando.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora