Origens (parte três)

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Curitiba, Paraná.

6 anos atrás.

As semanas que se seguiram após a nossa mudança para a Becker Advocacia foram insanas. Um novo mundo de possibilidades se abriu diante de mim, e eu não poderia estar mais feliz!

Vitor e eu trabalhávamos duro todos os dias, sempre sendo os últimos a sair. Pegávamos casos sem parar, um atrás do outro, e criamos uma lousa para apostar quem teria mais vitórias nos processos. Infelizmente, eu estava perdendo por apenas uma vitória e sentia que logo conseguiria empatar.

Para o perdedor, decidimos que seria responsável por cozinhar todas as marmitas da semana, durante um mês, já que era uma atividade que ambos detestávamos. Eu definitivamente não queria ser a responsável por cozinhar para Vitor por um mês, então me empenhei no caso de um policial chamado Pedro Andrade.

Ele processava uma empresa pelo dano em seu veículo; o motorista do caminhão estava bêbado e bateu na traseira do seu amado Bianco S 1979, uma relíquia de família pela qual ele havia trabalhado arduamente ao lado de seu pai, já falecido.

Pessoalmente, eu me divertia muito com Pedro. O senhor de quase cinquenta anos era bem-humorado e nunca me pressionava quanto ao andamento do processo. Ele vinha ao escritório mesmo sem necessidade, sempre trazendo alguma guloseima, como chocolates e bolos feitos por seu marido. Eu quase não queria encerrar o caso dele, mas sabia que era necessário.

Enquanto me divertia com os clientes, também me sentia miserável toda vez que Brian visitava o escritório, que acontecia basicamente todos os dias. Ele parecia estar em todos os lugares que eu olhava, pronto para me irritar ou soltar alguma piadinha sobre o dia de bebedeira com o pai dele.

— Tão feio, doutora Clara. Se embebedar daquela forma com seu chefe. — Debochou, fazendo um som de desapontamento com a língua enquanto me encarava, zombeteiro.

— Não precisa me chamar assim. — Comentei, feliz, enquanto guardava um dos meus arquivos no armário, organizando a bagunça que se espalhara pela minha mesa. — Para você, é doutora Górski. — Pisquei e fui até a cozinha reabastecer minha garrafa, com a Miss Simpatia em meu encalço. 

Tentava afastá-lo de mim, mas Otto parecia ter o mesmo dom do filho. Sempre estava em qualquer canto, especialmente quando eu ia dar alguma resposta mais mal-educada para Brian.

E não posso esquecer do sorrisinho dele toda vez que nos via juntos, como se soubesse de algo que não queria compartilhar conosco.

— Clara, minha querida, junte-se a esse pobre velho. — Otto me chamou, desviando a atenção de Brian para qualquer que fosse a piadinha que ele estava prestes a soltar. 

Cumprimentei Otto e fiquei de pé enquanto ele se acomodava em uma das cadeiras mais confortáveis que já tinha experimentado.

— Eu e Linda vamos realizar um jantar em nossa casa na sexta-feira. Fazemos isso como um ritual de boas-vindas aos novos advogados, após um mês ou dois trabalhando conosco. Será um jantar caseiro e simples, então não precisa se emperequetar toda como faz aqui no escritório. Se você aparecer de salto, vou te mandar pra casa. — Sorri, nervosa com o jantar. 

Era uma quinta-feira e eu não gostava de ser pega de surpresa com compromissos desse tipo. Não que eu tivesse algo melhor para fazer depois que terminei meu casinho com a Bia, mas entre passar uma noite inteira com a carranca de Brian ou assistir "Acumuladores" — que sempre me apavorava — eu preferiria até ver o making of daqueles malucos.

— Por que está com essa cara de quem está infeliz pelo convite? — Mais uma vez, meu maior defeito deu as caras: nunca consegui disfarçar meu descontentamento com uma situação. 

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora