Prólogo

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1º de janeiro de 2024

As paredes brancas do quarto refletiam as luzes coloridas dos fogos de artifício, iluminando o espaço pequeno e frio. Daqui, eu conseguia ver os clarões no céu, mas a distância abafava os sons das explosões, deixando a comemoração silenciosa, quase irreal.

Suspirei. Tudo aqui era pálido, sem vida, sem cores. A colcha insossa da cama de solteiro parecia zombar da minha memória, como se quisesse apagar qualquer traço da Clara que um dia eu fui. O ano novo sempre fora uma época especial para mim, mas agora... agora era só mais uma data para marcar a passagem do tempo em um lugar onde o tempo não importa.

Um clarão azul iluminou o quarto, trazendo à tona minha memória favorita.

Eu e Brian em uma praia isolada, o mar cristalino refletindo um céu de tons suaves. Durante o dia, descobríamos restaurantes escondidos, saboreando a riqueza de uma cultura tão acolhedora. À noite, ele me levou a uma praia deserta para assistir à queima de fogos. Não havia ninguém além de nós dois.

— Vamos, amor! Vai começar a contagem regressiva! — Eu o chamei, empolgada, segurando seus braços enquanto ele buscava a toalha e a cesta de piquenique. O azul do céu tingia o mar ao fundo, mas meu mundo cabia nos olhos castanhos dele.

A contagem começava quando percebi que Brian havia ajoelhado ao meu lado. Em suas mãos, uma caixinha de veludo vermelho tremia levemente.

— Clara, eu nunca pensei que poderia amar alguém como amo você. — Sua voz estava embargada, mas seus olhos brilhavam com certeza. — Você trouxe cor, música e vida para o meu mundo. E eu quero passar cada um dos nossos anos juntos, prolongar o máximo possível. Quer casar comigo?

Lágrimas escorreram sem resistência. O brilho dos fogos, que pintavam o céu e a praia, parecia existir apenas para enaltecer aquele momento.

A lembrança que antes aquecia meu peito agora pesava como uma âncora. Meu anel de noivado não estava mais no meu dedo — foi confiscado quando cheguei a este inferno. E Brian... ele também não estava aqui.

Uma batida na porta quebrou o silêncio, trazendo-me de volta à realidade.

— Feliz ano novo, Clara. — A cabeça do doutor Braga surgiu pela porta entreaberta, seus olhos negros brilhando com um sorriso discreto. — Consegui algo para alegrar sua noite.

Ele entrou no quarto pequeno, trazendo consigo um pacote marrom que escondeu atrás das costas.

— Doutor, isso não se faz com uma paciente. — Falei com um sorriso forçado, tentando disfarçar a curiosidade.

Miguel riu ao retirar do pacote uma garrafa de espumante e dois copos de plástico.

— Classudo. — Provoquei, não segurando a risada. A diferença entre o espumante decente e os copos descartáveis era hilária, mas eu sabia que aquilo tinha custado um esforço.

— Você não sabe como é contrabandear isso para dentro de um hospital psiquiátrico. Imagine duas taças de vidro. — Ele abriu o lacre, quase acertando o próprio olho no processo.

Peguei a garrafa com um gesto rápido.

— Eu abro. Não quero acabar cuidando do médico ferido.

O som do espumante sendo aberto ressoou no quarto, misturando-se ao estouro dos últimos fogos ao longe. Miguel serviu dois copos e estendeu o primeiro para mim.

— Um brinde ao pior início de ano possível! — Levantei o copo, e uma risada escapou, abafando um pouco da dor.

— E à sanidade dos médicos que enlouquecem junto com seus pacientes. — Miguel completou, brindando comigo.

Por um instante, o silêncio se instalou. Não era desconfortável, mas carregado. Miguel deixou o copo de lado, hesitante, e deu um passo à frente.

Seus dedos tocaram meu rosto com gentileza, e então seus lábios encontraram os meus em um beijo hesitante.

Dois anos sem contato físico com outra pessoa, dois anos desde que me senti tocada como mulher. Mas por mais que o gesto fosse terno, por mais que uma parte de mim ansiasse por qualquer fagulha de calor humano, ele não era Brian.

Eu o afastei suavemente, meu rosto corando enquanto olhava para o copo em minhas mãos.

— Miguel, eu sinto muito. Acho que dei sinais errados, mas eu quero meu marido. Ainda quero encontrar Brian.

Ele se afastou, coçando a nuca de um jeito constrangido que eu conhecia tão bem.

— Não é culpa sua, Clara. Foi só uma ilusão da minha parte.

Ele saiu do quarto em silêncio, deixando-me sozinha novamente. Encarei a luz pálida das estrelas, os fogos agora extintos, e senti um aperto ainda maior no peito.

Mais um ano começava, e tudo que eu queria era trazer Brian de volta para casa.

Texto revisado.

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