Capítulo Vinte e Seis

43 4 54
                                    

Eu não sabia como meus dentes ainda estavam inteiros, considerando a força com que cerrava o maxilar para me conter ao ouvir tantas mentiras. A mulher que chamei de mãe relatava descaradamente várias mentiras sobre mim, e agora, o superior que por anos eu considerei uma pessoa querida me olhava com receio do banco das testemunhas.

Meu impulso era de avançar sobre ele, apertar seu pescoço até vê-lo desmaiar. Minhas mãos tremiam de ódio, e a vontade de derrubá-lo com socos crescia a cada nova mentira que surgia. Sabia que outras acusações viriam, e a impotência de não poder desmascará-las me consumia.

O juramento soava distante, como um borrão, enquanto eu lutava contra a vontade de rasgar o pescoço de Pedro com as unhas. Ele era tão hipócrita quanto qualquer um que acusou durante todos esses anos.

— Clara sempre foi uma pessoa complexa. Corajosa, e essa era sua pior característica. — Pedro começou seu depoimento com um suspiro teatral. — Ela não tinha medo de me enfrentar, de passar por cima da minha autoridade para conseguir o que queria, sempre focada em seu benefício, mesmo que isso comprometesse o andamento correto dos casos sob investigação. — A ousadia de Pedro em relatar aquilo com a cabeça erguida e a voz controlada era realmente de tirar o fôlego.

A única vez que passei por cima de sua autoridade foi no caso do desaparecimento de Brian, quando ele se recusou a investigar adequadamente. E agora ele diz que eu só pensava em mim? Ridículo!

Perdi a conta das noites em claro revisando cada detalhe dos casos para garantir justiça às vítimas. Como ele ousava me acusar de agir em benefício próprio, quando sacrifiquei tanto pela verdade?

— O senhor foi responsável pelo treinamento da ré para o cargo de investigadora? — O advogado da acusação perguntou, impregnando suas palavras com desdém.

— Sim, conheci Clara há seis anos, quando ainda era advogada. Um dia, ela confessou que não queria mais estar presa a uma mesa, que desejava um trabalho que a permitisse proteger os menos afortunados. — Pedro relembrou minha transição da advocacia, sua voz tomada por nostalgia. — Ela sempre foi a mais esforçada, a mais afiada, a mais brilhante entre todos com quem trabalhei. — Ele começou a lacrimejar, mas eu não sabia se eram lágrimas de arrependimento ou um teatro habilidoso.

Pedro, mais do que ninguém, sabia o quanto eu odiava a injustiça, devido à forma como fui criada como uma pária dentro de casa. Por anos, acreditei que ele reconhecia meu potencial, que estávamos no caminho certo.

Ledo engano. O caminho que eu trilhava era direto para minha execução.

— Mas, eventualmente, Clara começou a minar minha autoridade, manipulando investigadores para que agissem a seu favor e contra mim. — Pedro misturava verdades com mentiras de forma magistral. — Também notamos evidências desaparecendo de seus casos: drogas e dinheiro sumiam da sala de provas, e nunca conseguimos encontrar o culpado. — Mais mentiras.

Não nego que roubei evidências no caso de Brian, mas fiz isso pela negligência de Pedro. Já os roubos recorrentes de drogas e dinheiro eram uma questão que ninguém conseguia resolver, já que as câmeras estavam sempre viradas para a parede ou o teto durante os furtos. Não conseguíamos identificar o ladrão.

Eu tinha minhas suspeitas de que o próprio Pedro estava por trás dos roubos, e agora ele encontrara o bode expiatório perfeito: eu.

— Sem mais perguntas, Excelência — o advogado da acusação concluiu com um sorriso presunçoso.

Esperava que aquela fosse a última testemunha. Já estava farta de ouvir as mentiras do dia. A penitenciária, por mais horrível que fosse, me daria ao menos o espaço para chorar sem precisar conter a dor que rasgava meu coração e meu orgulho.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora