Capítulo Vinte e Um

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Dias atuais.

— Vamos acordar, dorminhoco. — A voz fria do Diretor ecoou pelo cômodo em estava.

O oficial estava vendado, sem saber onde estava. Sabia que estava deitado em uma cama e quando tentou se mexer, sentiu as amarras nos pés e na mão que não estava estraçalhada. Sentia o corpo arrepiado pela falta de roupas e um odor muito forte de sangue.

Acreditava se tratar do seu sangue, já que perdera muito por conta dos ferimentos sofridos durante o ataque à Clara Becker. O medo o corroía e sabendo da imprevisibilidade do Diretor, tinha razão em temer.

— Olá, pode me soltar, por favor? Juro pela vida da minha família que não contarei nada a ninguém. — O oficial implorava, rompendo em lágrimas.

— Por favor, já tenho toda sua família na minha mira, você não precisa jurar nada. —O homem riu enquanto passos se aproximavam de onde estava deitado. — A sua sorte é que não viu meu rosto ou precisaria te matar. — O tom de brincadeira na voz dele era medonho e o oficial sentiu um arrepio de mau presságio.

Mais passos soaram, dessa vez uma porta foi aberta e passos pesados vieram em direção ao oficial. O rosto grotesco do homem que terminou de destruir sua mão surgiu em sua frente, temendo que ele voltasse para mais um round de violência, encolheu-se quando o brutamontes se aproximou para soltar suas amarras.

Roupas limpas foram jogadas em cima do colchão encardido no qual estava deitado e Francis o informou que as amostras recolhidas pela polícia foram contaminadas e sua identidade permanecia em anonimato. Vestindo-se o mais rápido que podia, o oficial saiu de lá, rezando para que não precisasse voltar tão cedo.

Mas o diretor tinha outros planos para ele.

A viagem de duas horas foi tranquila; o trânsito havia colaborado e consegui chegar meia hora antes do horário combinado

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A viagem de duas horas foi tranquila; o trânsito havia colaborado e consegui chegar meia hora antes do horário combinado. O trânsito poderia ser calmo, mas minha mente me pregava peças o tempo todo. Via carros inexistentes me seguindo, e minha intuição gritava para que eu tomasse cuidado. Sabia que precisava ser cautelosa, mas, mais importante ainda, precisava descansar.

Todo o estresse estava me deixando paranoica, cansada e ansiosa. Eu estava beirando o esgotamento emocional e temia que os efeitos desse cansaço acumulado estivessem se manifestando em minhas mãos trêmulas e nas olheiras crescentes.

Cheguei ao local combinado com trinta minutos de antecedência. O café estava relativamente vazio, com apenas uma mulher sentada ao fundo. Pedi a mesa mais distante e reservada do ambiente; por mais que o café fosse claro, queria que fosse a mais afastada das janelas e da porta para evitar curiosos, além de estar próxima à saída de emergência, caso fosse necessário.

Enquanto Lucas não chegava, pedi um chá de camomila para acalmar meus nervos e aproveitei para analisar o café modesto. Várias mesas brancas e simples ocupavam o local, as lâmpadas fluorescentes queimavam meus olhos cansados pela ausência dos óculos por tanto tempo, e um expositor com todos os alimentos tomava a maior parte do ambiente.

As várias janelas do café me permitiram ver meu amigo descer do carro em direção à porta. Lucas era legista e tão desconfiado quanto qualquer investigador. Ele entrou no café discretamente e se sentou em silêncio, me observando atentamente, com a mesma pena que todos me olhavam ultimamente.

— Oi, querida. Como você está? — ele perguntou, enquanto apertava carinhosamente minha mão, que estava em cima da mesa.

— Estou me virando. E você, como está? — Tentei desviar o foco da minha clara confusão mental e esgotamento, desvencilhando minha mão da dele. Lucas respondeu algo sobre a tentativa de adoção dele e do marido, e lhes desejei sorte.

Podia estar um caco emocional, mas tentava apoiar meus amigos da melhor forma que podia, independente de minha situação estar melhor ou pior. Cortamos diretamente para o assunto, já que tanto eu quanto Lucas estávamos receosos de continuar naquele lugar por muito tempo. Meu amigo pegou discretamente o tubo com a amostra sanguínea em um saquinho de evidências, juntamente com a última carta do diretor, para que pudesse investigar impressões digitais.

— Há grandes chances de não apontar nenhum resultado se a amostra não estiver no banco de dados da polícia, mas dedos cruzados, né? — Lucas tentava manter minhas expectativas realistas o suficiente para não me decepcionar.

Então, abraçando meu amigo, nos despedimos e agradeci a ele pela análise. Em dois dias, receberia os resultados que poderiam me dar uma pista do que seguir. Assim que pisei para fora do estabelecimento, meu telefone tocou e o nome da minha vizinha piscou na tela; meu sangue gelou. A última vez em que falei com ela, uma pessoa me atacou em minha própria casa, e eu não queria uma nova ligação vinda dela.

Suspirando e temendo ter um novo invasor em casa, atendi:

— Clara, querida! Um entregador tentou deixar uma encomenda para você, e como não havia ninguém em casa, recebi para você. Pode passar para pegar? — A senhorinha simpática me informou do outro lado da linha, e eu tentava me lembrar se esperava alguma encomenda. — Soube do que aconteceu em sua casa; se eu soubesse, nunca teria ligado para você. — Ela lamentou.

— Não é culpa da senhora, ninguém tinha como saber. — Respondi o mais gentilmente que pude; ela não tinha culpa do ocorrido. — Daqui a três horas posso passar na sua casa? — Questionei, tentando finalizar a ligação.

Ela concordou e desligamos.

Subitamente, lembrei das minhas próprias câmeras de segurança. Estava tão preocupada em verificar as últimas filmagens que tinha sobre Brian que me esqueci das gravações da minha própria casa, que poderiam me dar uma pista concreta sobre o desconhecido, além de me lembrar que a polícia nem mesmo havia solicitado as imagens para investigação.

Fazendo uma nota mental de extrair as gravações do HD das câmeras, direcionei a rota do GPS para a fábrica onde o diretor explodiu. Talvez, após a explosão recente, ele ou alguém com quem trabalhasse pudesse ter aparecido por lá e deixado pistas. E, dessa vez, não incomodaria Armando e sua esposa simpática.

Durante todo o caminho, tentava não pensar no meu bebê, a dor de descobrir que um serzinho crescia dentro de mim e havia morrido em tão pouco tempo. Se seria uma menina que herdaria os olhos do pai ou um menino que herdaria a personalidade estabanada da mãe. Tudo isso só piorava ao lembrar que passei por isso sozinha, sem Brian, que sempre esteve ao meu lado, independentemente da situação.

Tentando acalmar meu coração galopante, preenchi o silêncio do carro com qualquer coisa que estivesse tocando na minha playlist. "Eduardo e Mônica" começou a tocar baixinho nos alto-falantes. A música da viagem com Kim, Brian e Vitor só aumentou o nó na garganta que eu tentava a todo custo engolir.

Todas as emoções que tentei reprimir saíram de controle com uma única música. Toda a saudade, dor, medo e raiva conflitaram dentro de mim. As lágrimas escorriam sem parar pelo meu rosto, e minha visão embaçada dificultava a direção. Então, parei no acostamento e deixei de lado o esforço de abafar todos os sentimentos.

Perdi a noção do tempo e sorri quando uma gravação de áudio do Brian tocou no carro. Meu marido cantava "Dançando" enquanto tocava violão. Lembrei-me de quando decidi baixar o áudio e acrescentar à nossa playlist, do rosto corado de Brian pela vergonha e de ele me beijando várias vezes para tentar me fazer desistir da ideia.

— Te amo, Clarinha. — Ele dizia. — Lembrei da nossa dança desajeitada na cozinha ao som dessa música e pensei em como sou sortudo por você ter aceitado o Brian de seis anos atrás. Ah! Acabou o frango, pode passar no mercado, por favor? — Brian ria, acabando com toda a declaração de amor, e ri junto com ele, por mais que o áudio fosse de meses atrás e eu já tivesse escutado um milhão de vezes.

Por Brian, por nosso bebê e por mim, chegaria até o fim dessa história. Com tudo o que tinha.

Texto revisado. 

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