Onde Reside o Desejo (Concluído)

.02.

ELE

Eu estou vivo.

Percebo isso quando acordo e sinto o ar preencher e esvaziar os meus pulmões, a sensação estranha de lembrar quem de fato é, em conjunto com um gosto simplesmente intragável na língua, como se eu não escovasse os dentes há dias. Eu realmente gostaria de saber porque acordar tinha que ser tão desagradável, sempre sinto que poderia dormir mais, mesmo depois de dormir quinze horas. Sinto uma dor horrível atrás da cabeça e viro meu corpo de bruços na cama, resmungando. Estou exausto, e não sei muito bem o porquê. Fico um tempo em silêncio até escutar risadas vindo do lado de fora, na área da piscina, com barulhos de pulos na água e música alta. Odeio meu quarto ter janelas grandes para o jardim de trás. Meu verão inteiro foi comigo acordando com a diversão incômoda de meus irmãos do lado de fora. Olho para o relógio da cabeceira que mostra ser quase fim de tarde. Acabei dormindo demais, como sempre. Coço meus olhos na tentativa de parecer mais acordado, e isso só faz minha dor de cabeça piorar.

Decido levantar e ir até o banheiro, sentindo a madeira enrugada sobre meus pés e ao me ver no espelho sinto um aperto no estômago. Estou péssimo. Escovo os dentes, desejando que aquele gosto horrível vá embora, jogando um pouco de água no rosto e o secando logo em seguida. Não parece fazer tanto efeito na minha cara cansada. Sento no vaso e coloco a cabeça entre as pernas, sentindo mais sono do que quando fui dormir. Aposto que se pudessem colocar essa sensação de ressaca em cartilhas de conscientização, ninguém nunca mais usaria nada. Legalizado ou não.
Escuto uma batida na porta, o que me faz quase fechar a porta do banheiro, como se alguém fosse entrar no quarto e me ver nesse estado.

-Dale?? Vem pra piscina com a gente!! - escuto Louise numa voz abafada ao outro lado da porta.

Suspiro e reviro os olhos. Piscina, claro. Louise acha que uma caixa cheia de água poderia curar qualquer coisa.

-Estou indo! - grito em resposta para que ela vá embora.

Louise tende a ser insistente, e não quero que ela entre no meu quarto. Troco de roupa e ao me olhar no espelho antes de sair, pareço melhor. Volto ao banheiro ao perceber a sujeira que há em cima da pia. Seringas, colheres, algodão e alguns comprimidos sobre a pedra de mármore. Dou uma limpeza básica e escondo a maioria das coisas na gaveta que tem fechadura. Saio do quarto e tranco a porta.
Pego o caminho mais rápido até lá fora, o qual só ando dois corredores largos e uma escada. Ao descer até a área externa da casa, percebi porque estava desanimado para vir. Vejo Lou jogar a bola para Katherine que está na ponta oposta da piscina. Temos uma grande piscina em casa, a qual eu usufruo com mais frequência quando não há ninguém dentro.

-Ora ora. - diz minha irmã mais nova, Kath, nadando em minha direção quando me vê - Pensei que você não acordaria nunca mais.

Dou um sorriso fechado pois não consigo ignorar seu largo sorriso aberto. Ela parece mais nova quando está com o cabelo molhado.

-A que horas você chegou ontem? - pergunta Arthur, atraindo meu olhar. Ele está sentado numa cadeira, com as pernas cruzadas, lendo um livro grosso e verde. Não consigo ver qual é daqui.

-Você sumiu logo depois que a Maria foi embora. Eu teria chamado você para o lanche se soubesse que estava em casa. - completa Louise.

Não faço a mínima ideia de quem seja Maria, então apenas dou de ombros.

-Eu tive um compromisso. - digo colocando as mãos nos bolsos, tentando desviar o assunto.

Eles parecem se contentar com isso pois voltam a fazer o que estavam fazendo.
Meus olhos correm o jardim à procura de uma pessoa e Kath parece perceber e nadando mais até a borda para sussurrar pra mim, como se fosse um segredo.