.28.

43 11 15
                                    


ELE

A manhã seguinte à fatídica festa de Halloween foi uma mistura ruim de cansaço e estresse. Não vi Maria nem meus irmãos a manhã inteira, mas algo peculiar aconteceu ao fim da minha penúltima aula quando me chamaram até a coordenação. Andei pelo longo corredor de ladrilhos perfeitamente polidos até a já conhecida sala. Quando vi o rosto decepcionado da orientadora Davis tive vontade de morrer ali mesmo. Sua sala era a mesma dos últimos dois anos, algo aconchegante e confortável antes de ela enfiar suas garras em você com perguntas sobre o futuro.

-Você está no último ano. - Ela diz, após nos encararmos em silêncio por mais tempo do que era considerado educado. Sento em uma das duas cadeiras à frente dela e estico minhas pernas por baixo da mesa, sabendo que seria uma conversa no mínimo cansativa.

-Muito observador da sua parte. - Digo com sarcasmo enquanto cutuco a borda de sua mesa de madeira com as pontas dos dedos.

-Dale, sabe porque ainda não havia chamado você desde o verão? - Sua voz doce chega até mim. - Eu esperava que você fosse melhorar, que o serviço comunitário fosse te ajudar a ter perspectiva de alguma forma.

Suspiro. Eu não queria falar sobre meus erros passados, que colocaram não só a mim, como meus irmãos inocentes numa cilada. Não quero falar sobre meus erros futuros, que eu sabia muito bem que os cometeria.

-Suas notas seguem no mesmo padrão, medianas o suficiente para você não reprovar. - Suas unhas brancas passam por uma pasta com o meu nome. - Mas você falta muitas aulas. Você não entrega as atividades, não participa. Acho que continuo na mesma tecla com você, Dale.

A orientadora Davis me chamava a cada três meses em sua sala, na tentativa de uma redenção de minha parte, que eu fosse milagrosamente melhorar. Aparentava ser bem frustante para ela que eu sempre continuasse da mesma forma.

-E sobre os esportes que eu indiquei que você fizesse?

-Não vou fazer nenhum esporte. - A corto. Ela não sabe do meu temor dos testes anti-doping caso eu participasse de algum time, de como teria que andar em uma linha ainda mais tênue que a de meu pai. - Sem esportes.

-Então, sem notas altas, sem atividades extracurriculares, sem grandes feitos. - Ela fecha a pasta, de uma maneira triste. - Sinto informar, mas você não conseguirá atingir suas metas como esperado, ou como seus irmãos.

Jogo minha cabeça para trás, rindo fracamente. A última coisa que eu precisava era ser comparado ao loiro que tirava notas máximas, capitão do time de natação e senhor "faço parte de diversas ONG's". Arthur era um péssimo irmão por ser tão perfeito.

-Não tenho objetivos de entrar na faculdade. - Minha afirmação sai de maneira desdenhosa, quase com raiva.

Os olhos azuis da senhorita Davis me encaram, tentando me entender.

-Seu pai veio aqui ontem. - Ela diz, colocando as mãos postas em cima da mesa, de maneira classuda. Minhas sobrancelhas arqueando levemente. Meu pai nunca vinha na escola. Correção, meu pai nunca vinha na escola por mim. - Ele está preocupado com o seu futuro, assim como eu.

-Ele não liga para o meu futuro. Nem você. - A mulher à minha frente inclina o rosto lateralmente e me fita com uma expressão preocupada. - Eu não vou para a faculdade. Não quero saber dos panfletos de compensação que você tem na gaveta, eu não tenho interesse em nenhum deles.

Sinto minha respiração pesada. Não sei o que estou fazendo aqui. Me levanto e ponho minha mochila nos ombros, sentindo meu coração palpitar, demonstrando que eu estava limpo há muito tempo.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora