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ELE

Fecho o zíper da mala e suspiro fundo. Estava indo embora. Segundas feiras geralmente acabavam comigo, devido a ressaca do fim de semana. Mas após o domingo de ontem, a conversa com Maria e tudo mais... eu só queria ir logo. A abstinência estava mostrando suas garras, fortes e temerosas, e eu me sentia à beira de um colapso. O pai de Monique havia receitado uma medicação para o alívio dos sintomas, mas tudo perdeu efeito depois do que minha mãe contou ontem. A noite foi longa e solitária, e eu chorei torcendo que ela viesse até meu quarto mais uma vez. Ninguém veio.

Não consegui pensar em Maria sem sentir uma pontada estranha de culpa, por tudo que fiz ela passar no último ano. No meio da madrugada insone, eu levantei do chão da varanda e a meia luz do abajur, escrevi uma carta para ela. Talvez imaginando uma possibilidade mais controlada de poder falar para ela sobre o que sinto. Fechei a carta quase ao amanhecer e me apressei em me arrumar. Agora, eu precisava fazer o inadiável, e enfrentar de alguma forma aqueles olhos azuis de Olga.

-Está pronto? - Arthur apareceu magicamente do meu lado, tocando meu ombro.

Eu ainda tocava o zíper da mala, desatento. Só conseguia pensar na facilidade de sumir se eu descesse até a Toca mais uma vez e usasse tudo que Mike poderia me oferecer.

-Estou. - Digo, engolindo em seco e me desfazendo de sua mão. - O carro já está lá embaixo?

Meu irmão assente, colocando as mãos nos bolsos da calça clara.

-Você não deveria estar na aula? - Questiono, cansado, a voz se arrastando por minha garganta seca.

-Todos faltamos. As coisas estão... estranhas, você sabe. - Ele faz um movimento peculiar com a cabeça, seus fios claros emoldurando sua testa bem feita.

-Claro.

Mesmo ambos parecendo ter pressa no que deveria ser feito, nos encaramos. Vejo em Arthur algo diferente, algo gritante. Meu irmão parecia aliviado, perdendo aquela tensão que sempre deixavam os músculos de seus ombros e pescoço tensos. Não consigo o julgar por isso, pois não sei ao certo o inferno que fiz todos passarem. Permito que minha família me odeie, eu estou fazendo o mesmo.

-Você quer ir? - Ousa perguntar.

Encaro meus tênis limpos, refletindo uma resposta.

-Acho que preferia entender do que querer ir, mas sim. - Deixo meus ombros caírem. - Você quer que eu vá?

A pergunta carente e tendenciosa impressiona nós dois. Arthur me surpreende abraçando meus ombros magros, seus braços fortes me puxando contra si. Ele encosta a cabeça em meu ombro, sendo levemente mais baixo que eu.

-Eu queria muito entender você, Dale. - Sua voz sai rouca em meu cabelo. - Todos os dias eu penso em como você poderia ser menos você. Mas isso não significa que eu quero que você vá, eu só não vejo outra forma.

A tristeza faz minhas veias coçarem e eu preciso piscar algumas vezes para não chorar. O afasto.

-Me desculpe. - Ele diz, fungando. - Por tudo.

Passo a língua em meu lábio ressecado e torço o nariz por sua proposta de trégua.

-Não consigo, irmão.

Saio do quarto deixando Arthur sozinho, checando se o material estava em meu casaco marrom. O quarto de Olga está aberto, como se ela quisesse me mostrar que ela não estava mais em seu casulo de dor, que eu poderia ver minha melhor amiga agora. Passo pela piscina, atravesso o jardim, e a vejo sentada. Eu sempre gostei do estilo dela, de como Olga sempre parecia saber combinar as cores, em como seu cabelo caía perfeitamente volumoso em seu rosto redondo. Hoje, Olga usava um simples moletom verde por cima de um jeans surrado.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora