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ELA

-Quem era aquele garoto? - minha avó pergunta, em nossa língua nativa.

Olho para trás, torcendo para que ele já estivesse longe o suficiente, e não nos encarando, como ele provavelmente estaria. Algo ruim passa por meu cérebro ao raciocinar que conheço Dale o suficiente para presumir suas ações.

-Que garoto? - ela puxa meu cotovelo para dentro e me empurra para dentro da sala à meia luz, dando uma última olhada para a rua, como se ele ainda fosse estar lá.

Teresa está sentada no canto da sala, escrevendo algo em um caderno.

-Você, pro quarto. - abuela aponta para minha irmã - Não quero que você pegue sua irmã como exemplo.

Como hipnose, Teresa apenas recolhe suas coisas e corre corredor adentro. Posso jurar que ela não entrou no quarto, e está perto o suficiente para nos escutar.

-Eu vou perguntar mais uma vez - ela prossegue, agora em espanhol - Quem era aquele garoto?

Engulo em seco e sinto minha mandíbula travar, como se as palavras que contam a verdade fossem sair pulando da minha boca. Aprendi ao longo dos anos que, com Abuela, não havia espaços para mentiras. Manipulação, segredos e falsidade, talvez. Nunca uma mentira. Não assim, tão diretamente. Me questiono sobre as coisas que responderia se ela me fizesse perguntas tão diretas como essa.

-É um amigo. - abaixo a cabeça, por vergonha e surpresa com minha própria resposta. Ele era meu amigo?

As sobrancelhas dela parecem ficar cada vez mais franzidas. Está tensa como aço, os punhos fechados ao lado do corpo. Enquanto fecha os olhos e respira algumas vezes, como se estivesse em busca de fugir de um colapso, ela passa as mãos nos olhos de maneira cansada.

-Você sabe porque estou zangada com você? - ela questiona, a voz tornando-se cada vez mais fria, limpa.

Mas é minha vez de franzir as sobrancelhas e jogar as mochilas no chão, cruzando os braços em sua direção. Já fiz, e farei, muita bobagem que deixou minha avó furiosa, mas já cheguei a atrasar outras vezes, não estava entendendo onde ela queria chegar.

-Não. - respondo, tentando parecer obstinada.

Com a precisão de um relógio suiço, vovô entra e coloca o casaco no cabide. Está chegando do trabalho e apresenta uma feição de quem não dorme há dias. Ele analisa nós duas, os olhos passando de uma para outra, se demorando mais na minha avó. Ele vem até mim e beija o topo da minha cabeça. A aparência da mulher de idade à minha frente se endurece quando meu avô me toca.

-O que está havendo agora, mulher? - ele contesta, os olhares ansiosos passando entre nós - E esse escuro?

Vovô acende a luz da sala, assumindo que a noite já estava chegando.

-Sua neta chegou agora a pouco - os olhos escuros de meu avô se enrugam, ele estava preocupado comigo - E ainda por cima, depois de tudo que eu ensinei, ela chegou aqui com um garoto.

-Quem era? - vovô parecia mesmo interessado, mas não tirou seu cansaço de se jogar no sofá e tirar as botas pesadas, respirando fundo enquanto se acomodava melhor.

-Essa é a sua reação? - ela grita, apontando para mim - Você não ouviu o que acabei de dizer? Maria chegou em casa acompanhada de um garoto alto e bonito. Isso não é familiar pra você?

Ela estava falando da mamãe. E colocou minha irmã para fora da sala pois acha que Teresa pode seguir meus exemplos e ser a próxima a sentir atração ao sexo oposto. Não que esse fosse o caso de Dale, mas abuela com certeza achava que sim. Vovô coça a cabeça e sua expressão parece mais firme quando seus olhos procuram a verdade nos meus, está com medo. Continuo de braços cruzados e encaro o chão.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora