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ELE

Maria adentrou a sala de ensaios de balé com uma determinação evidente em seu olhar. Vestida em seu collant preto e sapatilhas, ela se colocava no centro do estúdio, rodeada por espelhos que refletiam sua imagem graciosa. Fico em silêncio, apenas admirando enquanto ela gira algumas vezes, sem nem se dar conta que estou aqui. Está em seu próprio mundo, escutando as indicações de uma mulher. As outras garotas percebem minha presença no canto da sala, dando risinhos e cochichando.

-Ei, você não pode ficar aqui. - a voz de quem eu imagino ser a professora diz para mim. O som ecoando na sala silenciosa após sua fala. Olho para os lados, apenas para ter certeza de que ela estava falando comigo, encarando as paredes rosa claro do salão.

Louise me olha por cima do ombro e parece confusa, com as sobrancelhas franzidas enquanto se alonga em uma das barras de madeira. O coque impecável em sua cabeça. Já Maria, com as mãos à frente do corpo, só parece surpresa por me ver aqui. Ela endireita a postura, torcendo um pouco os ombros quando desce da ponta de seus pés, até os calcanhares encostarem no chão.

-Eu estava esperando você perceber que eu estava aqui para perguntar que horas termina o ensaio. - Minto, eu gostaria que ela não tivesse percebido minha presença. A professora fecha a cara e coloca uma das mãos na cintura, suspirando.

-Daqui noventa minutos. Lá fora. - Ela aponta para a porta de madeira escura. Encaro Maria, nossos olhos se encontrando pela primeira vez. Dou um sorriso, o que a faz baixar a cabeça.

Fora do estúdio, sento em um dos bancos de madeira e pego um cigarro do maço, o acendendo. Fecho os olhos ao sentir meus pulmões aquecerem. Permaneço com os olhos fechados, percebendo que dormi pouquíssimo essa noite. Não fui até a Toca, mas sei que usei alguma coisa quando acordei num quarto de uma garota que mora na parte sul da cidade. Meu corpo demorou um bom tempo para eu perceber onde eu estava, e a culpa me consumiu por inteiro por me tocar que eu havia faltado aula outra vez, nem havia voltado para casa. Precisava dar um jeito de parar de transar com tanto descuido, mas a maioria das vezes que isso acontecia eu estava tão chapado que só chegava a pensar nisso na manhã seguinte. Talvez devesse ter outras alternativas do que eu chamo de diversão. Termino o cigarro e jogo a bituca na lixeira que fica ao lado do banco.

Meus pensamentos me levam até Olga, como qualquer reflexão que tenho tido nos últimos dias. Procurando desculpas para falar com ela, que não seja pedir desculpas pelo que aconteceu. Não pelas desculpas, eu só não quero falar sobre o que aconteceu. Às vezes tento imaginar em como ela iria reagir se soubesse quem eu realmente sou, onde fico e o que faço quando estou fora de casa. Com certeza passaria muito mais do que quatro dias sem falar comigo. Pego no sono imaginando como poderia pedir desculpas para ela dessa vez.

 Pego no sono imaginando como poderia pedir desculpas para ela dessa vez

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Risadas seguidas de uma batida de porta me acordam. Levemente assustado, endireito minhas costas em um banco. Estou sentado, por algum motivo. Quando meus olhos se abrem por inteiro, vejo que Louise está na minha frente.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora