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ELE

O carro de Frank estaciona em frente à delegacia da cidade, meus olhos pesando de cansaço ao ver o sol que acabou de nascer. Não lembro ao certo de como vim parar aqui, mas sei que já usei algo há um tempo pois a coceira em minhas veias segue aumentando, minha memória voltaria aos poucos. Nunca entendi o fato de esquecer coisas específicas quando estava drogado, além de ser frustrante era muito confuso. Já havia notado o padrão de que misturar cocaína ao álcool que estava bebendo costumavam me deixar assim, além de completamente eufórico.

Meu pai passa pela porta de vidro do prédio e não olha diretamente para mim, apenas conversa com o xerife e o entrega uma quantia em dinheiro, que recebe e me lança um olhar de pena. Quando ele passa por mim novamente, sei que devo segui-lo. O carro é aconchegante e quente, o que me faz descansar a cabeça no banco enquanto ele entra e fecha a porta. Nossa, eu pagaria tudo que tenho por minha cama.

-Você quer me contar algo, Dale? - Abro os olhos e viro meu rosto para a expressão assustadora que ele está me entregando. - Antes que eu estralhace o resto do seu rosto aqui mesmo.

Suspiro, tentando não deixar o medo me consumir por inteiro antes de falar algo. Talvez seja o resto de efeito de alguma coisa em meu corpo, mas eu pareço bem calmo, mesmo com uma leve dor no rosto e ansiedade por algo que ele possa falar. Sabia que independente do que houvesse feito, nada sério iria acontecer. Quando o xerife Terrence me pegava na rua, ele sempre me trazia até aqui e ligava para o meu pai, independente do que eu estivesse fazendo.

-Não sei o que dizer. - Digo, torcendo para que ele ligue o carro e vá embora, está começando a esfriar aqui.

Meu pai coloca as duas mãos no volante, o apertando enquanto ele fecha os olhos e suspira fundo.

-Você acha que eu gosto dessa posição, de ter que fazer o que faço com você? De ser um homem de mau caráter e ter que mentir para Marjorie. - Meu pai passa a mão direita em seu maxilar. - Você é meu filho! Você deveria fazer o que meus outros filhos fazem. Deveria me dar orgulho, deveria voltar pra casa.

Viro minha cara, encarando o porta luvas enquanto coloco as mãos nos bolsos do casaco. Sinto que poderia dormir aqui mesmo. Mas a vergonha me mantém acordado, a vergonha que me faz querer chorar.

-Dale! - Meu pai empurra meu ombro, querendo que eu respondesse. Me forço a ficar de olhos abertos.

-Eu estava em um bar, e acho que briguei com alguém. É tudo que eu lembro. - Tento falar sem parecer tão chapado, mas acho que não sou tão bom mentiroso quanto pareço.

Meu pai passa uma das mãos pelo cabelo, como eu costumava fazer quando estava confuso.

-O que você irá falar para sua mãe? O que você vai falar pra ela? Vai falar que o xerife te achou deitado no meio da rua? - Ele pergunta, a voz grave tentando se acalmar. Meu pai não podia perder o controle à luz do dia, com obrigações a cumprir, e eu já estava completamente machucado, ele não teria a satisfação de me ver quebrando.

-Não pensei nisso ainda, mas hoje é sábado, ela estará no...

-Hoje é quarta. - Meu pai engole, seu pomo de adão subindo e descendo.

Vejo em seus olhos verdes assustadores, em seu semblante rígido pela frieza que a idade lhe deu, um leve resquício de pena em suas íris claras. Seguro as lágrimas de confusão que imploram para sair. Eu havia tido um apagão, coisa que eu evitava que acontecesse, que tentava tomar cuidado, mas...

-Eu não voltei para casa? - Pergunto, encarando a janela, tentando organizar meus pensamentos.

Meu pai liga o carro e morde os lábios com força. Estava com raiva. Antes que ele possa dar ré para sairmos da delegacia, ele empurra minha cabeça contra o porta luvas, bem onde meu rosto estava machucado. Dor se acomoda por todo o meu rosto e pescoço.

Onde Reside o Desejo (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora