2. Lexa

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Alguns dias, uma semana, só mais um pouquinho. Todo mundo me dizia que ela precisava de tempo. O silêncio de Clarke me dizia que ela precisava de tempo.

Foda-se o tempo.

O tempo passou. Um ciclo interminável de dormir, acordar, viver em agonia e, depois, tudo de novo. Eu odiava o tempo. Clarke tinha ido embora havia três semanas. Todos os dias sem ela eram uma privação sensorial prolongada e torturante do começo ao fim. Na primeira semana, liguei para ela todos os dias. Sempre caía direto na caixa postal. Ela jamais retornou as ligações. Parei de ligar, porque era horrível saber que eu tinha sido descartada com tanta facilidade.

Lembranças dela em todos os lugares: casa, trabalho, Serendipity. Não dava para fugir. Então ao menos eu entendia por que Clarke tinha vindo para Arkadia: para se afastar das lembranças incessantes. No entanto, não consegui descobrir o que a fizera voltar. Ela podia fugir de mim quanto quisesse, mas voltar para o lugar de onde havia escapado não fazia sentido. A não ser que estivesse tentando se afundar em culpa de novo. Era fácil negar a possibilidade de um futuro se ela deixasse o passado arrastá-la. Eu sabia como era. Tinha feito isso por anos, até Clarke aparecer.

Alguém bateu de leve à porta da sala de tatuagem. Era Harper de novo, conferindo se eu estava bem.

O Inked Armor estava fechado, mas, nas três semanas anteriores, eu tinha


passado a maior parte do tempo livre no antiquário ou no apartamento vazio de Clarke. Ficar sozinha em casa era insuportável. Ao menos no antiquário eu podia fingir que as coisas não estavam tão ruins. Vestígios da presença dela ainda espreitavam como sombras, mas não como na casa dela ou na minha. Era depressivo pra caramba. De qualquer forma, eu ia ao apartamento dela todos os dias, mesmo que fosse só para ver se estava tudo certo. Nos piores dias, eu passava horas lá e mergulhava na dor de estar ali sem ela.

Harper enfiou a cabeça na fresta da porta.

- Oi, tentei ligar para você.

- Desculpe, meu telefone deve estar desligado.

Peguei uma caneta vermelha e coloquei um pouco de cor no meu esboço. Não era o tom certo. Com o desenho arruinado, arquivei-o em uma pasta junto com os demais e peguei outra folha de papel.

- A Indra está esperando que a gente chegue em uma hora. Por que você não larga isso e pega carona comigo e com o Monty?

- Ah, então. Acho que não vou.

Depois que boicotei o Dia de Ação de Graças, Indra tinha passado a convidar a galera do Inked Armor para ir lá todo domingo. No começo, eu recusava porque alguém precisava ficar no estúdio. Então Harper mudou os horários para não abrirmos mais aos domingos. Ninguém me consultou. Como Jasper e Monty eram sócios e os dois concordaram, a lei da maioria prevaleceu. Harper deu como desculpa o movimento fraco do inverno quando discuti a decisão com ela. Eu não era idiota. Interações sociais forçadas não iam adiantar. Clarke era a única que podia melhorar as coisas, e ela não estava falando comigo - então eu estava ferrada.

Harper puxou a cadeira de rodinhas e se sentou, rolando até o lado oposto da mesa. AG soltou um miadinho atordoado. Ela se sentia solitária passando o dia todo sozinha no meu apartamento, então eu a levava comigo quando, para fugir do vazio, ia para o estúdio fora do horário comercial. Ela ia comigo ao apartamento de Clarke também.

- Você não pode faltar ao jantar desta vez - disse Harper.

- Quero acabar isto aqui.

Coloquei a folha de papel sobre o esboço e comecei a traçar o contorno do desenho de novo. Depois que aperfeiçoasse o esquema de cores, eu planejava convencer Jasper a tatuá-lo em mim. Eu preferiria que Monty o fizesse, pois era um retrato, e não um tribal, mas ele já tinha dito que não. Jasper também, mas eu o faria mudar de ideia. Não tinha mais nenhum espaço nos meus braços para aquele desenho, a não ser que eu cobrisse alguma tatuagem antiga. Eu estava considerando seriamente fazer isso, pois queria o desenho à mostra. A possibilidade de uma nova tatuagem fazia com que eu me sentisse melhor.


Harper colocou a mão sobre a minha. Recuei. O contato físico era insuportável.

- Por que não faz uma pausa? O desenho vai estar aqui quando você voltar.

- Melhor não.

Sentia os olhos dela em mim, me avaliando. Eu provavelmente precisava de um banho, mas eram coisas que exigiam esforço.

- Há quanto tempo você está aqui? Foi para casa ontem à noite?

- Fui. - Era uma meia verdade.

- Dormiu?

- Algumas horas.

Desde que Clarke tinha ido embora, o sono era ardiloso. Eu conseguia dormir por três, talvez quatro horas antes de os pesadelos começarem. Às vezes eram com meus pais, mas a maioria era com Clarke. No mais frequente, ela estava com um vestido de cetim creme, e um pequeno ponto vermelho manchava o tecido entre os seios. A mancha se espalhava, transformando o creme em um vermelho intenso. No sonho, eu não conseguia alcançá-la. Presa sob uma porta, eu via, sem poder fazer nada, a vida se esvaindo dela. Por fim, sua pele se tornava da cor do cetim.

Eu nunca conseguia voltar a dormir. Os pesadelos eram vívidos demais. Depois do primeiro, liguei para Clarke no meio da noite. Não deixei recado, mas, como uma otária, liguei várias vezes só para ouvir a voz dela gravada.

- Acho que você deveria ir com a gente - insistiu Harper.

- Não sou uma companhia muito boa no momento e não quero deixar a AG sozinha - falei. Meu pé batia no chão enquanto eu esperava que Harper me deixasse em paz.

- Eu sei que você sente falta dela, mas se afastar de todo mundo não vai ajudar.

Soltei o lápis e fechei os olhos. Harper não ia desistir.

- Não estou a fim de ir, então dá para você me deixar quieta?

Assustada, AG enfiou as unhas na minha perna.

- Tudo bem. Se é isso que você quer.

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