29. Clarke

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Meu telefone tocou e eu o peguei de cima do edredom. Era Indra. Pela vigésima vez nos últimos quatro dias.

— Oi — sussurrei.

— Pode falar agora?

— Espere — pedi, rolando para fora da cama.

A água corria, mas isso não significava que Lexa ainda estava no banho. Antes de eu entrar de fininho no banheiro, alisei o edredom, esticando as dobras. Era inútil. Lexa provavelmente arrumaria a cama de novo depois que saísse do banho. Ela saberia que eu tinha deitado ali para esperá-la.
Lexa estava longe de estar bem. Desde que entregamos o quadro à agente Miller, as coisas tinham piorado. Ela ligara no dia anterior para informar que diversas digitais foram identificadas e que eles tinham alguns pontos de partida promissores. Também confirmaram que havia manchas de sangue na pintura.

Pediram que Lexa providenciasse uma amostra do sangue dela para checar se as manchas eram de sangue dos pais, mas ainda não tínhamos nenhuma notícia dos resultados. Eu achava que aquele processo seria uma reviravolta na vida dela. E foi, mas não de um jeito positivo.

Escondi o celular no bolso de trás e espiei pela fresta da porta. Não queria que ela soubesse que eu estava falando com Indra de novo. Ela tinha ficado desconfiada do número de ligações que eu andava recebendo dela. Falei que ela estava preocupada, o que não era mentira. Todos estávamos. Harper e Jasper ligavam quase com a mesma frequência, mas ninguém podia fazer nada para ajudar.

Lexa estava de costas para o chuveiro, as mãos ao lado do corpo, a cabeça abaixada. Ela ficava assim até a água esfriar, às vezes até mais. Tive que tirá-la à força dali mais de uma vez nos últimos dias, quando sua boca ficou azul por causa de tanto tempo sob a água gelada. Depois do banho, ela ia limpar o banheiro. De novo. Estava assim com tudo desde que havíamos voltado da delegacia: limpando e reorganizando tudo, beirando a obsessão.

Nada estava bom o suficiente. Nem as dobras perfeitas dos lençóis, nem a fileira de almofadas na cama, nem os sapatos no armário do hall de entrada. No dia anterior, ela ficara sentada de pernas cruzadas no chão por uma meia hora, organizando e reorganizando os sapatos até haver exatamente um centímetro de distância entre todos eles e até os calcanhares estarem alinhados uns com os outros à perfeição. Suas tendências compulsivas tinham chegado a níveis assustadores. Eu estava relutante em admitir o quanto aquilo tinha se agravado, por medo do que isso pudesse significar.

— Lexa?

Ela ergueu a cabeça e abriu a porta de vidro do boxe. A água escorria pelas costas e pelo peito. Segui com os olhos o caminho dela. Ela se cobriu com a mão. Não tinha uma ereção desde a manhã em que fomos ao depósito. Encontrei seu olhar exausto e ansioso. Seus olhos estavam vermelhos e com olheiras profundas.

— Está tudo bem? — perguntou com a voz rouca.

— Sim, tudo certo. Vou até a cozinha pegar algo para beber. Só vou levar um ou dois minutos.

Depois de uma pausa longa, ela respondeu:

— Ok.

Eu não podia sair do quarto sem avisar. Se ela saísse do chuveiro e eu não estivesse lá, talvez tivesse um colapso. Isso tinha acontecido no dia anterior.

— Ela está no banho — falei quando cheguei ao corredor.

— De novo? Quantas vezes hoje?

— Essa é a terceira.

Ela estava tomando até quatro banhos por dia. Eu não sabia o que pensar.

— Isso não é bom — disse Indra.

— Está ficando cada vez pior.

— Você parece prestes a chorar.

Tive que cobrir o fone com a mão para poder limpar a garganta.

— Estou bem. Só estou preocupada.
Indra suspirou.

— Clarke, isso aconteceu quando os pais dela morreram. Receio que não vá melhorar se não interferirmos.

Aquilo não era o que eu queria ouvir, embora suspeitasse de que Indra tinha razão. Sentei-me no sofá.

— Não sei o que fazer.

— Andei conversando com o Kane. Ele cobrou um favor de uma amiga e marcou uma sessão para a Lexa hoje à tarde. Está um pouco em cima da hora, mas podemos ir até aí e convencê-la a ir.

— A que horas é a sessão?

— Quatro.

— Tão cedo?

Faltavam menos de três horas. Não nos dava muito tempo para atos de persuasão.

— Você acha que consegue se virar nesse tempo? — O tom de voz dela era gentil, porém sugestivo.

Dei uma olhada ao redor. A sala estava impecável. Eu morria de medo de tocar em qualquer coisa, porque Lexa saberia imediatamente. A busca dela por ordem era desgastante. Eu entendia a razão por trás daquilo: seu mundo e sua mente estavam um caos completo; ela só podia controlar o ambiente.

— Vou ver se consigo convencê-la primeiro. Não quero que ela se sinta encurralada.

— Tudo bem. Mas, se você não ligar de volta em uma hora, Kane e eu vamos aí.

Anotei os detalhes e desliguei, enfiando o papel no bolso de trás. Não sabia bem como ia tocar no assunto com Lexa, mas ela precisava de mais ajuda do que eu podia dar.

AG pulou para o sofá e encostou a cabeça na minha mão. Ela andava tão assustada quanto eu nos últimos dias, incerta quanto às mudanças de humor imprevisíveis de Lexa. Em um minuto, ela estava concentrada em uma tarefa; no outro, explodia em frustração por não conseguir cumpri-la direito. Peguei AG e enfiei o nariz no seu pelo, ouvindo-a ronronar.

— Clarke?

O tom agudo da voz de Lexa refletia sua ansiedade, bem como as batidas pesadas de seus pés atravessando o corredor.

— Estou na sala! — gritei.

— Achei que você só fosse pegar algo para beber… — Ela parou de repente
quando entrou na sala.

Usava apenas uma boxer e um top preto. Os ombros cobertos de gotas de água, o cabelo molhado. Ela o ajeitou com força, a preocupação se transformando em irritação.

— Esse lugar está um chiqueiro. Tem merda por todo lado — ralhou ela, me encarando com um olhar acusador.

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