26. Lexa

320 41 7
                                    

No Inked Armor, Clarke andava de lá para cá na sala privativa, inspecionando os frascos de tinta e as latas rotuladas de apetrechos enquanto esperava que eu me organizasse. Demorei de propósito, para permitir que nos acostumássemos ao ambiente e ao que estávamos prestes a fazer.
Depois de tudo pronto, peguei a pasta de Clarke. Eu a tinha guardado ali depois que ela fora embora, fazendo e refazendo a paleta de cores sempre que ficava frustrada com meu desenho. Peguei as últimas versões e as espalhei pela mesa de trabalho.

O tom do desenho tinha mudado com o tempo e as revisões. O desenho original, que fora meu primeiro contato com a arte de Clarke e com ela própria, havia sido bastante alterado.
Os pretos e azul-escuros, bem como as explosões de chamas, estavam todos mais suaves, dominados por um brilho dourado. A mudança na cor tinha se concentrado mais nos ombros. Dava a impressão de que o sol estava brilhando sobre as asas, trazendo-as de volta à vida; as penas pretas e arruinadas caindo: um renascimento substituindo a destruição.

— Fiz algumas alterações. — Girei minha cadeira, achando que Clarke estava do outro lado da sala.

Ela estava bem atrás de mim.

— Estou vendo.

— Podemos seguir o original, se você preferir, mas pensei em ter mais opções.

Clarke colocou as mãos em meus ombros e se inclinou, olhando para todos os desenhos espalhados na mesa. Ela foi da esquerda para a direita, do original ao último.

— Você fez muitas mudanças.

— Muitas coisas mudaram desde que começamos a tatuagem.

— Hum. — Ela passou as unhas pela minha nuca e as arrastou para baixo.

— Isso é bem verdade. Gosto desses. São lindos. — Ela apontou para os últimos.

— Quer escolher um deles?

Com o consentimento de Clarke, deixei os outros de lado, menos o original e os que ela tinha selecionado. Então a puxei para o meu colo. Passamos mais uns bons vinte minutos decidindo as questões mais delicadas até ela tomar a decisão final. Escolheu a penúltima versão, que era a minha preferida. Eu adorava o fato de parecermos sintonizadas em tantas coisas.

Liguei o aquecedor da sala privativa. Enquanto separava as tintas e preparava o aparelho, Clarke tirou a roupa da cintura para cima. Quando ficou seminua e tudo estava organizado, ela se sentou na cadeira, sem se preocupar em se cobrir.

— Tem certeza absoluta de que consegue aguentar isso hoje? — perguntei, olhando-a com atenção.

— Tenho. Se for demais, prometo que falo.

— Vou cobrar isso de você.

O sorriso largo que Clarke abriu aliviou um pouco minha tensão por fazer aquilo em um dia tão crítico para ela. Foi a mesma coisa que eu quis fazer no meu primeiro Natal sem família. Mas, em vez disso, entrei em uma bad trip que quase me matou. Naquela época, eu já tinha sido apresentada a Jasper, que tentou entrar em contato comigo por dias seguidos sem nenhum retorno. Ele me deu um esporro quando enfim apareci para trabalhar, três dias depois. O olho roxo e os hematomas nas costelas que se seguiram marcaram o início oficial da nossa amizade. Foi a última vez em que me deixaram passar um feriado sozinha. A não ser pelo último Dia de Ação de Graças.

Clarke se esticou na cadeira e seu cabelo caiu para o lado. Estava tão comprido que quase encostava no chão.

— Vou começar pelos ombros. Acho que levo, no máximo, duas horas, mas depende de você.

— Me parece ok.

Coloquei uma música para tocar, lavei as mãos e calcei um par de luvas. Depois, preparei as costas de Clarke, limpando-as com spray antisséptico. O zumbido do aparelho de tatuar tomou conta da sala. Assim que tocou em sua pele, Clarke relaxou. Fechou os olhos e derreteu na cadeira, um sorrisinho surgindo no canto da boca. Trabalhei os primeiros minutos em silêncio, ciente de que ela precisava de um tempo para se acostumar com a sensação.

— Como está até agora?

— Não está ruim.

— Vai ser mais desconfortável porque estou colorindo, e não contornando,
então, se você precisar de um intervalo, é só dizer.

Comecei pelo lado com as cicatrizes de propósito. Embora as dos ombros não fossem tão ruins quanto as do quadril, eram sensíveis mesmo assim. Se eu me livrasse da parte mais desconfortável no começo da sessão, o resto seria mais fácil de tolerar. Depois de mais alguns minutos de silêncio, Clarke fez a pergunta que eu já esperava:

— Você vai me contar o que aconteceu ontem à noite?

— Com o Murphy? — Mergulhei a agulha no amarelo e a levei de volta à pele dela.

— E a agente Miller.

— Murphy foi o mesmo imbecil de sempre. Não sei qual é a dele, mas parece que gosta de me tirar do sério. — Limpei as costas de Clarke com um pano úmido. — Sei que fui uma adolescente de merda, mas ele tem um ódio bizarro de mim.

— Por que será? — indagou Clarke, ecoando meus pensamentos.

Fiquei quieta por um minuto, mas não consegui pensar em mais nada além do meu temperamento.

— Não faço a menor ideia.

— E a Miller? A conversa com ela me pareceu tranquila.

— Ela deu uma olhada no caso dos meus pais. Como já tinha dito, eles precisam de novas evidências para que seja reaberto.

— E aquele quadro no quarto deles que você mencionou?

Marcadas para sempre Onde histórias criam vida. Descubra agora