Cinco dias. Foi esse o tempo que durou o boicote às noites juntas, mas, mesmo com Clarke em minha cama, eu não conseguia me livrar dos pesadelos. Estavam piores do que nunca. No entanto, ao menos com ela ao meu lado, os sonhos não a incluíam.
Algo em mim tinha despertado. A muralha que ergui desmoronara e eu não estava conseguindo reconstruí-la. Tudo o que nunca quis lembrar sobre a morte dos meus pais estava ressurgindo com uma clareza que me acordava de madrugada, suada e trêmula.Eram seis da manhã. Clarke estava dormindo na minha cama. Eu deveria ficar ao lado dela, mas era inútil, pois só conseguia rolar sob as cobertas, então fui me sentar no sofá da sala. A árvore de Natal que Clarke e eu tínhamos montado naquela semana piscava com entusiasmo do outro lado do cômodo. Decoramos a árvore juntas, com os enfeites que Clarke trouxe, e o brilho das luzes brancas cintilantes era uma contrapartida amarga ao meu humor sombrio. Meu laptop estava aberto na mesa de centro. Eu estava lendo uns artigos sem parar, procurando alguma informação. Qualquer coisa que ajudasse a entender as lembranças que eu não conseguia bloquear de novo na seção ACESSO PROIBIDO do meu cérebro.
Eu não podia mais ignorá-las. As lembranças tinham lacunas que eu queria preencher. Muitas coisas daquela época eram vagas, exceto a semana anterior ao assassinato dos meus pais. Minhas ações daquele tempo deram início a tudo.
Minha mãe bateu à porta do meu quarto. Enfiei a revista pornô debaixo das cobertas e toquei no mouse do laptop. O trabalho medíocre de Estudos Sociais que eu tinha terminado três dias antes apareceu na tela.
— Pode entrar.
Ela enfiou a cabeça pelo vão da porta.
— Estamos saindo.
— Beleza. Você está bonita.
Não falei isso só para puxar o saco, mas porque era verdade. Minha mãe usava um vestido vermelho. Seu cabelo escuro estava preso, afastado das linhas delicadas do rosto.
— Não acha que é demais?
— Papai disse alguma coisa?
Se ela fosse questionar a decisão de roupa minutos antes de terem que sair, eu ia deixar que a culpa fosse dele.
— Não, não. Eu só estava pensando se devia ter escolhido o vestido preto.
— Vermelho é melhor. Mais autêntico.
Sorri, e um sorriso genuíno iluminou o rosto de minha mãe enquanto ela alisava a saia. Minha mãe tinha curvas, como uma mãe devia ter. Não era como aquelas superplastificadas estilo Mulheres Perfeitas com quem ia sair naquela noite. Com certeza estariam todas de preto ou com alguma estampa de animal monstruosa. Graças a Deus eu era velha demais para ser arrastada àqueles eventos chatos.— Vocês vão voltar tarde?
— Lá pela meia-noite. Não chame nenhum amigo aqui enquanto estivermos fora.
— Claro que não, mãe.
— Estou falando sério, Lexa. Nada de amigos. Seu pai vai vender aquele
carro e você vai andar de ônibus até conseguir comprar um.— Tudo bem. Nenhum amigo em casa. Prometo — falei para evitar o sermão que estava por vir.
— Se você for sair, tranque as portas e volte antes de dez e meia. Não mais do que isso.
— Ok. Divirtam-se.
Apertei algumas teclas do laptop para fazer parecer que eu precisava voltar ao trabalho. Ela deu uma olhada ao redor.
— Eu ia pedir para você arrumar o quarto, mas seria inútil.
Meu pai a chamou do andar de baixo e os saltos dela fizeram ruídos no piso de madeira quando se virou para ir.

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Marcadas para sempre
RomanceSegunda temporada de flor da pele. Depois de perder Clarke, a tatuadora Lexa Woods volta a ser atormentada por seu passado traumático, e suas noites são tumultuadas por pesadelos sobre a morte dos pais. A única maneira que encontra para ficar em pa...