Há instantes que mudam uma vida para sempre. Como se fossem fronteiras que quando cruzadas transformam absolutamente tudo que existia antes, mudando o destino de maneira profunda e irreversível.
Se José Ángel Arriaga pensava que a felicidade era algo para se alcançar, um lugar onde um homem podia permanecer estável e confortável, a realidade que ele vivia acabava de comprovar que era possível vibrar de emoção, atingir níveis intensos e jamais imaginados de alegria e completude. E tudo isso, simplesmente porque Victoria Balvanera existia, porque o aceitara, porque o amara. E agora, algo ainda mais milagroso acontecia - Victoria estava grávida. O amor de sua vida lhe dava a notícia mais doce de todas - uma notícia que preenchia o coração de Arriaga de uma maneira que ele nunca pensou ser possível.
"Os enjôos, as tonturas..." Victoria continuou com a voz embargada pela emoção "Eu achava que era pelo estresse que estávamos passando, mas não... Era o nosso bebê, José Ángel." Victoria disse, sem conseguir conter as lágrimas que rolavam por suas bochechas "Vamos ter um bebezinho."
Arriaga olhou para sua mão sobre a barriga de Victoria, e a mão dela que cobria a sua. O símbolo da união dos dois que protegia uma vida preciosa e resguardada tão carinhosamente pelo corpo da mulher que ele amava sem medida.
Todos os caminhos e todas as dores que o levaram até esse momento. Todas as noites sem dormir e todas as angústias, tudo tinha valido a pena. Porque agora ele sabia, tinha completa certeza, que não havia mais nada que pudesse separar a sua vida da vida de Victoria. Olhando nos olhos brilhantes que ele amava, sentindo o calorzinho do corpo dela, ele estava mais perto do paraíso do que jamais sonhara poder estar em vida.
"Um bebê? Um bebê... nosso, Victoria?"
"Sim, meu amor." ela disse, num fio de voz, pois a emoção a consumia.
Arriaga enxugou as lágrimas dela, sem nem perceber que ele mesmo chorava.
"Obrigado, meu amor."
"Pelo que?"
"Por tudo, Victoria. Por me dar tantas coisas, sem pedir nada em troca," ele disse acariciando o rosto dela com ternura "Por me amar como talvez eu nem mereça."
"José Ángel..."
"Eu prometo que vou fazer tudo pra merecer você, meu amor. E merecer esse bebezinho que você está trazendo para as nossas vidas."
Victoria mordeu o lábio, tentando conter as lágrimas. Arriaga se inclinou e a abraçou pela cintura, beijando suavemente a barriga de Victoria - lugar onde o tesouro mais precioso se desenvolvia. Ela teve que respirar profundamente para não desabar em choro.
"Venha em paz, meu filhotinho. O seu pai aqui já está morrendo de amores por você."
Quando Arriaga se ergueu novamente, Victoria chorava calada, com a testa franzida de preocupação.
"O que passa, Victoria?"
"Eu tenho tanto medo, José Ángel."
"Do que?"
"Esses desmaios que eu tive, tudo isso... Eu tenho medo de não conseguir manter o bebê..." ela disse e baixou a cabeça "Eu não sou mais tão jovem."
"Victoria, meu amor, não pense nisso. Você é uma mulher saudável."
"Você tem tanta ilusão de ser pai outra vez e se der errado? E se eu não conseguir?"
Arriaga se endireitou na beirada da cama, segurando as mãos de Victoria com firmeza.
"Meu amor, o que tiver que ser, vai ser..." ele disse e suspirou profundamente "Eu não quero que você tenha um bebê pra me agradar. Esse bebê tem que ser algo que você também queira."
Victoria se manteve em silêncio, o olhar baixo.
"Você quer ser mãe outra vez?" Arriaga perguntou com o coração apertado.
"Eu não tinha certeza se queria, mas... Agora eu não consigo querer outra coisa. Por isso me dá tanto medo. Porque sempre que eu quero algo, isso acaba sendo arrancado de mim."
Arriaga sentiu que seu coração se partia em mil pedaços. Ele não queria que Victoria se sentisse assim nunca mais. Apesar de uma vida de luxos e abundância, sempre faltou a ela a serenidade de um amor tranquilo, de ter seus sentimentos levados em consideração, de ser amada sem condições. Arriaga fez uma promessa silenciosa aos céus de que amaria Victoria e o bebê que esperavam, com tudo o que havia dentro de si, para que nunca houvesse dúvidas nem desconfianças.
"Isso não vai acontecer, porque eu estou aqui, Victoria. Aqui me tens. Seu companheiro de vida." Arriaga disse, tomado pela emoção "E eu prometo para você, Victoria, e para o nosso filhinho que você tem guardadinho aí dentro, que sempre poderão contar com a firmeza dos meus passos atrás de vocês, velando a caminhada. Com as minhas mãos prontas para segurar as suas, quando andarmos lado a lado. E meu corpo, em frente ao de vocês, para protegê-los de tudo."
Victoria suspirou, incapaz de conter as lágrimas, e puxou Arriaga para um beijo cheio de amor e alívio. Quando Arriaga sentiu o calor dos lábios dela, pensou que desmaiaria e a abraçou fortemente, porque precisava de algo sólido e real que confirmasse que aquilo não era uma ilusão vinda de dias de ausência.
"Eu senti tanto a sua falta..." Arriaga disse, quase sem fôlego, quando se separaram.
"Eu também, eu também..." Victoria respondeu, o beijando levemente pelo rosto inteiro fazendo Arriaga rir, de alívio, emoção, paixão, desespero, ele nem sabia dizer. Ele tinha verdadeira loucura por aquela mulher.
"Eu te amo tanto, tanto..." Arriaga disse, encostando sua testa na dela.
Os dois ficaram naquela posição por algum tempo, envoltos por uma atmosfera de paz e ternura, refazendo os caminhos um para o outro, recriando os laços que ambos tinham, se fortalecendo e se unindo com mais força, no silêncio daquele quarto de hospital.
"Tudo que eu sou..." Arriaga murmurou, depois de algum tempo "Existe por sua causa, Victoria."
Victoria sorriu, de olhos fechados. A melhor parte de sua vida acabava de começar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Laberintos Cerrados
FanfictionFilho de um antropólogo e de uma índia nativa de Catemaco, Vera Cruz, José Ángel Arriaga sempre esteve familiarizado com os rituais xamânicos de sua terra natal. Em meio à sua culpa e remorso, ele decide voltar para sua cidade em busca de uma respo...