Em casa, finalmente

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Um buraco negro é uma região do espaço-tempo em que o campo gravitacional é tão intenso que nada — nem mesmo a luz — pode escapar dele.

Victoria estava pensando que se algo pudesse explicar a inevitabilidade do amor que ela sentia por José Ángel Arriaga, era isso. Um campo gravitacional. Uma força tão intensa da qual é impossível escapar. Ela poderia se enganar o quanto quisesse. Ela poderia ser uma mulher rica e refinada, que guardou para si mesma a intensidade de seus sentimentos e soube respeitar o casamento alheio. Mas no interior de sua própria estrela – pobre Victoria – ela nunca teve chance.

Confortavelmente aconchegada nos braços de Arriaga - nos deliciosos braços de Arriaga - Victoria riu de si mesma, de suas teorias e do inacreditável que era estar protegida no abraço de um homem que tanto desejara e que jamais imaginara possível, ouvindo o inspirar e expirar sereno enquanto ele acariciava suas costas com uma delicadeza que a fazia querer chorar.

Victoria lembrou-se de Nelson e de como ele raramente a abraçava ou era carinhoso com ela nas esparsas vezes que tinham intimidade. E como ele sempre mantinha um certo distanciamento, mesmo no início e ela dissera a si mesma que talvez o casamento era pra ser assim, dessa maneira estranha e ausente, e talvez nem todas as mulheres pudessem despertar grandes paixões.

E os anos foram passando e ela aprendera a conviver com a frieza e o distanciamento se refugiando no que podia – na arte – e se escondeu em seu ateliê onde ninguém jamais podia entrar, que era como retirar o seu coração do peito e guarda-lo do lado de fora, entre quatro paredes, trancado à sete chaves, e lá dentro ela poderia ser a verdadeira Victoria Balvanera, colorida, cheia de palavras, poemas, tintas, música e tão viva – e completamente livre.

No entanto um dia, quase sem querer, ela esquecera seu coração destrancado – entreaberto – e José Ángel Arriaga cruzou aquela porta e a viu dançar. E tudo o que ele disse, o sorriso, o olhar, tudo fora tão perfeito – que somado ao que ela já tinha experimentado com ele até ali, mas que tinha dissimulado como o impacto de ter sido salva por ele, de estar frágil e ser arrebatada – se transformou em uma coisa nova, completamente extraordinária, que não chegava nem perto do que ela tinha vivido com Carlos na juventude. E Victoria tinha tentado de todas as maneiras fingir que não era nada, que ela ainda gostava de seu marido, que o mundo devia continuar como sempre fora, mas o que havia do mundo para continuar? Se exceto por Nikki, nada na sua vida privada se sustentava?

E ela teve tanto medo.

E não somente por José Ángel ser um homem casado. Havia esse peso, claro, pois era o que impossibilitava uma aproximação mais imediata. Victoria não era mulher de desfazer casamento alheio, era íntegra demais pra isso. Porém se ela fosse sincera consigo mesma, seu medo provinha de um lugar muito mais profundo do que uma traição. Quando Arriaga invadiu o espaço que era a vida de Victoria Balvanera, com essa força impossível de descrever, ele conseguiu ressignificar tudo que ela era. Se para se sentir livre ela precisava se trancar em seu ateliê, com José Ángel ela podia ser livre sem precisar estar presa entre quatro paredes. Pela primeira vez na vida Victoria não precisava se esconder. Ela podia ser ela mesma – finalmente – na companhia de outra pessoa. E isso trazia consigo a angústia de perceber que talvez ela não estivesse preparada para algo dessa magnitude. De fato, nenhum dos dois estava. Victoria sabia que envolver-se em algo assim era um caminho sem volta. E por esse motivo a primeira reação de ambos foi repelir esse sentimento tão potente, tão intenso, transforma-lo em algo impossível e sem cabimento.

E então Victoria Balvanera, a filha mais velha e herdeira da linhagem Balvanera Gil, fez o que sabia fazer tão bem: se refugiou em seu lugar seguro e a arte lhe recebeu de braços abertos novamente. Ela descobriu um novo talento e de seus dedos histórias nasceram, poemas brotaram. Ela pintou novos quadros que teimavam em representar a imagem do mesmo homem. Se Victoria ainda não podia lidar com esse campo gravitacional que era José Ángel Arriaga, de longe ela contemplava seu horizonte de eventos, que se aproximava lento mas constante. Dentro de si ela elaborava e dava linguagem através da arte, ao que viria a ser um amor tão verdadeiro quanto possível fosse, puro e inabalável, sereno e delicado, forte e selvagem. Ela estava irremediavelmente vencida, perdidamente apaixonada e não podia mais lutar contra si própria quando tudo começava e terminava com José Ángel Arriaga.

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