Sob o sol no alto, o vento frio corta como uma lâmina, arrepiando minha pele e fazendo a mexerica que seguro em minhas mãos parecer mais preciosa do que nunca. O suave perfume cítrico das frutas envolve o ar enquanto me estico com determinação, colhendo cada mexerica com cuidado, como se cada uma contasse uma história de tempos mais quentes.Agosto, o mês que marca a transição entre o inverno e a promessa do calor vindouro, traz consigo temperaturas baixas e ventos fortes que sussurram segredos do passado. No horizonte, vejo a casa grande se erguendo majestosamente, uma testemunha silenciosa dos anos passados e das memórias que ecoam entre suas paredes.
A grama verde, imaculadamente aparada, oferece um tapete úmido sob meus pés. As gotas do sereno da noite anterior, como lágrimas da própria terra, reluzem sob o sol, lembrando-me de que, mesmo nas estações mais frias, a natureza guarda sua beleza e promete renovação. Cada passo que dou parece ecoar com a história de minha família, do pé de mexerica plantado por meu pai.
Enquanto continuo colhendo as mexericas, não posso evitar lembrar dos tempos mais fáceis, quando minha família e eu passávamos as tardes de verão saboreando essa mesma fruta sob o calor implacável. Agora, a vida no interior de Minas Gerais parece ter desacelerado drasticamente.
À medida que o vento frio acaricia meu rosto, minha mente vagueia pelas histórias que minha mãe costumava contar, dou uma risada ao lembrar de uma em particular a respeito de uma cobra preta que, segundo ela, tinha um apetite insaciável por mexericas.
Meu sorriso é brutalmente interrompido quando meu "Eco" é despertado. Sem fazer movimentos bruscos, me abaixo fingindo descansar a cesta, evitando olhar ao redor. Meus pelos estão eriçados, e sinto a presença dele por todo lado ao meu redor.
Eu preciso me concentrar.
Se ele notar que eu senti sua presença terei um problema.
Me agacho e começo a descascar uma das mexericas da cesta.
Fingindo não sentir sua presença.
O mundo nem sempre foi um lugar tão solitário, onde agora vivo isolada nesta casa imensa, com um facão na cintura, em busca de proteção. É importante manter minha concentração, pois o "Eco" que carrego comigo precisa ser meu guia em meio ao caos que nos cerca.Há cinco anos, quando eu ainda frequentava o ensino médio, uma pandemia se alastrou. Um vírus impiedoso desencadeou uma condição cruel, tornando as pessoas extremamente sensíveis à luz do sol. A exposição significava bolhas na pele e uma morte angustiante. Não havia esperança de cura, apenas sofrimento.
Os hospitais e clínicas logo ficaram abarrotados, e a ordem geral era clara: fiquem em casa, enfrentem sua tragédia no recanto mais seguro que possuíam. O medo da infecção nos empurrou para o isolamento, reduzindo nossa força de trabalho, esgotando nossos recursos e levando nossa sociedade a um colapso inevitável.
A falta de infraestrutura básica e a negligência governamental mergulharam o mundo na anarquia. Tumultos e revoltas irromperam, transformando as ruas da cidade em cenários de medo e hostilidade.
Nossa família, junto com outros proprietários de terras, abandonou a cidade, buscando refúgio no campo. Nós nos tornamos uma pequena comunidade isolada, cortando todos os laços com o mundo exterior. Com o vírus devastando a população global, a vida na cidade já não era tão atraente como antes.
Me lembro avidamente de como foi difícil esse isolamento , especialmente os olhos ansiosos da patroa, de minha mãe olhando para as montanhas, desejando que seus teimosos filhos abandonassem a cidade e viessem para o campo em busca de segurança.
Tudo mudou no dia em que uma luz de esperança surgiu com a criação de uma vacina. No começo, meus pais hesitaram, desconfiados, mas finalmente cederam, exaustos pela incerteza. A vida começou a se reorganizar lentamente; pude retornar à escola, e os patrões voltaram para a cidade. No entanto, essa paz recém-encontrada não duraria muito.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Refúgio Brutal
De Todo"Minha história não se encaixa no molde dos romances convencionais. Na verdade, duvido se posso chamá-la de romance de todo. Os romances geralmente se concentram em jornadas de aprendizado e crescimento interior, mas a minha é uma história de pura s...