Fale comigo.

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E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.

Gênesis 1:3,4

Observo Eliza trocar de roupa, e é como se, pela primeira vez, me deparasse com a verdadeira essência de sua beleza. Há uma pausa, um instante em que a luz parece se concentrar nela, e eu reconheço a singularidade daquilo que estou testemunhando. Nesse momento, a beleza de Eliza se revela, e a certeza de que algo extraordinário está diante de mim ecoa embora eu já a vi nua outras vezes nunca havia de fato admirado sua beleza e tomando nota disso.
_Onde você vai?
Eu pergunto.
_Vou até o médico.
Ela parece decidida.
_Vou convencê-lo a...
Suas palavras somem me fazendo desviar os olhos de seu corpo para seu rosto, outra vez ela está chorando ela se senta à cama e cobre seu rosto com as mãos.

_Quem eu estou tentando enganar? O mundo acabou,eu me apaixonei por um corno, que além de estar me usando de cobaia tem traços de maluco, estou no meu quarto falando com...

Ela aponta pra mim.
Não entendo o vazio que a abrange ao falar de mim.

Sou um observador distante diante de sua dor, pois as complexidades dos sentimentos me são desconhecidas, criando um contraste insensível como se estivesse presenciando algo distante e irrelevante.

Meu estômago dói. Embora eu não ache que seja um momento propício para deixá-la sozinha, eu realmente preciso me alimentar.

_Espere uma hora em que seus pensamentos estejam mais claros para falar ao médico.

comento, enquanto ela concorda, desviando o olhar para o chão. Minha necessidade de cuidar de minhas próprias necessidades biológicas sobrepõe qualquer consideração emocional em relação a Eliza.

Me dirijo a janela da maneira mais humana possível.
Tenho me esforçado muito para não me comportar feito uma fera próximo a ela.
_Vou caçar.

Ela ergue os olhos, e sua mão dá um pequeno espasmo involuntário, mas seu olhar permanece firme, penetrante.

_Volto ao entardecer,

me justifico, consciente da tensão que paira entre nós. Parece que estou prestes a fazer algo que a desagrada. Sua expressão está congelada em mim, de uma maneira esquisita, como se tentasse decifrar o que se passa por trás da minha fachada fria. Há um silêncio tenso, e as palavras não ditas pairam no ar, criando uma barreira entre nós que transcende a ausência de sentimentos da minha parte.

O que faço depois não tem algo que justifica. Esboço um sorriso, e ela ri, quase em choque.

_Nunca mais faz isso!

Ela diz entre risadas, como se minha tentativa de expressar algo próximo a um sorriso fosse tão inusitada que a tirasse momentaneamente do peso de seus pensamentos sombrios.
E então eu saio pela janela.
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Deixo o quarto após a saída de Morphileon, consciente de que a tensão persiste no ar. Ao sentar à mesa para o café da manhã com os dois peões, o silêncio torna-se quase palpável. Sinto os olhares penetrantes dos homens sobre mim, uma observação incômoda que parece pesar mais do que deveria.

Olho para Teresa, minha antiga confidente, e percebo a tristeza que paira em sua expressão. O relacionamento entre nós desmoronou, e agora a atmosfera está carregada com o eco das emoções não ditas. O café da manhã torna-se um campo de batalha silencioso, onde as palavras não pronunciadas ressoam mais alto do que qualquer conversa.

Como apenas um pouco de broa e tomo um café recém-coado. Minha energia saciada, saio da cozinha em direção à baía dos cavalos. Há dias não vejo Ugo, e também não sei onde anda Emerson. A incerteza paira no ar, e a solidão da baía parece refletir o vazio que se instalou em meu mundo desde que Valesca morreu.

Refúgio BrutalOnde histórias criam vida. Descubra agora