Ratos part 2

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:::antes :::::

Eu me esgueiro pela porta. Está escuro, e eu já deveria estar dormindo. A chuva lá fora ecoa um som suave contra as janelas, enquanto, pela fresta, observo meu pai erguer um rato pela cauda, cuidadosamente segurando-o com uma sacola. O bicho é grande e estava escondido entre as panelas da cozinha.

Mamãe solta um gemido de asco.
_Pelo amor de Deus, no meio das panelas!

Papai ri com maldade.
_Isso é só a mãe! Temos que matar os filhotes também.
Com delicadeza, ele solta o rato na lixeira, e vejo-o lavar as mãos na pia com uma expressão de leve repulsa.

_Minha casa tão limpa!
Mamãe resmunga. Papai sorri e abraça mamãe.

_Limpa, quente, seca e cheia de comida, o lugar perfeito para se alojar quando o mundo está se acabando em água como está lá fora.

Ele a beija em um dos raros momentos de afeto do homem bruto que ele era.

_Até eu morreria para morar aqui. - Ele diz e beija suas bochechas. - _Imagina ratos como eles.

_Vai colocar ratoeira? -ela pergunta.

Ele gargalha.

_De jeito nenhum, a melhor forma de lidar com ratos é o bom e velho veneno, mas em relação a você, meu amor, só tenho amor e cuidado.
::::Presente::::

Ao passar pela porta, sou obrigada a erguer o pé para desviar do primeiro homem caído, tremendo incontrolavelmente, numa convulsão assustadora. Não posso me deter, sigo em frente, e a cena é mais brutal do que eu imaginava.

Homens ao meu redor têm diversas reações. Alguns vomitam em um desespero visceral, outros se contorcem em agonia, e há aqueles que convulsionam de forma desordenada. A cada olhar, a cena se desdobra, revelando um cenário de sofrimento generalizado.

A maioria permanece encurvada em suas cadeiras, subjugados pelo veneno, olhos arregalados e espuma escapando de suas bocas como se fitassem as chamas do inferno presos em agonia.

É uma visão pavorosa, e embora cada um desses homens mereça o castigo, a crueldade da vingança me atinge em cheio.

O impacto é avassalador, um turbilhão de repulsa pela brutalidade desencadeada e, paradoxalmente, uma pitada de compaixão por aqueles que agora enfrentam o resultado de suas próprias maldades. A justiça, por mais merecida que seja, deixa uma marca indelével, e minha alma, testemunha desse espetáculo trágico, sente o peso da tragédia humana.

Sinto a bile subir, uma ânsia desesperada de vomitar diante dessa cena repugnante. Contudo, mesmo que minha própria repulsa ameace transbordar, não posso negar a efetividade da ação. Eu poderia ter alcançado o mesmo resultado, mas talvez não com a mesma eficiência brutal demonstrada por Marcelo, que contaminou impiedosamente a comida desses homens com veneno.

O gosto amargo na minha garganta é um lembrete cruel da necessidade desta vingança. Apesar do nojo que se insinua, reconheço a justiça que está sendo servida, embora envolta em um véu sombrio de crueldade. A moralidade desta retaliação é obscura, mas é impossível ignorar a eficácia brutal do veneno que se espalha pelo ambiente, castigando cada um dos homens por suas ações condenáveis.

Não podia haver um desfecho diferente. Não depois de Pamela e Valesca. Não depois de mim!

No entanto, mesmo assim, percebo-me justificando para mim mesma. Estou congelada, observando seu Manuel, o marido de Teresa, agora morto, encarando-me com olhos vazios. Minhas pernas não se movem, sinto minhas mãos suarem. Ele parece me acusar por sua morte.

Embora nunca tenha direcionado a mim um único olhar maldoso, ele se tornou apenas um número nos cálculos. Como diz o ditado, quem se junta com porco farelo come. Nesse caso, veneno.

Refúgio BrutalOnde histórias criam vida. Descubra agora