Menininha parte 1

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O carro militar está estacionado bem à frente da casa. Na rua, vejo crianças correndo e jogando bola, só tem meninos, nenhuma menina, e também não vejo mais mulheres por aqui. Percebo que eu mesma só saí de casa desde o dia em que cheguei, hoje pela primeira vez.

Já estou pronta para entrar quando noto no canto superior do andar de cima, bem na janela, o cigano me encarando. Não dou muita atenção a isso e entro no carro; em seguida, Clarisse entra atrás de mim. Nós duas conversamos um pouco sobre coisas banais, tipo a que ponto preferimos o feijão cozido. Eu gosto mais al dente, enquanto ela prefere bem macio. No quesito pão, eu gosto bem branquinho, ela prefere mais dourado.
Somos muito diferentes em quase tudo.

Eu curto carne frita, ela prefere carne cozida. A nossa conversa flui distraída até entrarmos em uma espécie de túnel, que, embora escuro, não esconde as movimentações dos militares se movendo nas sombras. Ao emergirmos do outro lado, percebo que atravessamos a primeira barreira de muros.

A partir de agora, o cenário não é mais acolhedor; é uma zona militar. Por onde meus olhos percorrem, vejo homens treinando e pelotões correndo em formação. Caminhamos por pelo menos vinte minutos antes de entrar em outro túnel.

_Eu morava aqui!, - diz Clarisse, e reconheço parte do cenário - a área hospitalar. A geografia dessa cidade parece propositalmente confusa. Mais vinte minutos se passam antes de entrarmos em outro túnel escuro.

Ao emergir, não são soldados inexperientes que vejo. Homens sisudos e bem armados nos encaram à medida que avançamos. Paramos em frente a uma base militar, e do lado de fora, o doutor, carregando um guarda-chuva de sol e óculos escuros que contrastam com a roupa médica, nos aguarda. Ao seu lado, um pastor alemão belíssimo, com a língua de fora.

Nós descemos, e mesmo em um lugar seguro, posso sentir os olhos dos soldados em nós.

— Elisa, você se lembra de passar por aqui? — O doutor pergunta, porém eu nego com a cabeça.

— É porque não passou, eu só estava te testando! — Reviro meus olhos e me agacho para fazer um carinho no cão à minha frente.

— Fazer carinho em cães militares não é uma boa ideia. — Clarisse murmura ao meu lado, mas o animal não parece se importar.

O doutor me encara com um sorriso debochado nos lábios que me deixa cheia de perguntas.

— Eu aposto que ela está amando isso, mas precisamos ir.

Entramos em um túnel semelhante aos anteriores, porém esse está cheio de portas que dão acesso à área militar.

— Onde estamos? — Pergunto.

— Embaixo do segundo muro.

— Quantos são?

— Sete. — Ele responde.

— A nossa casa fica onde? Ainda não entendi exatamente como isso funciona.

— A nossa casa está no centro dos sete muros, juntamente com as famílias importantes da cidade.

— A cidade é um espiral, Eliza. — Clarisse diz, compreendendo minhas dúvidas derradeiras.

Caminhamos por cinco minutos no subterrâneo até que o doutor segura a maçaneta de uma porta.

Refúgio BrutalOnde histórias criam vida. Descubra agora