Amor e fidelidade part 2

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Não consigo abrir os olhos.
A única coisa que sinto é frio.

Envolvida por um frio cortante, sinto-me imersa em um mar gélido, e a cama oferece apenas um consolo momentâneo contra a aragem glacial que penetra cada fibra do meu ser. A sala oscila entre sombras indistintas e lampejos de luz fraca, enquanto debato-me entre a lucidez e a névoa da inconsciência. Cada batimento do meu coração ressoa como um eco distante, e vozes sussurradas flutuam no ar, desvanecendo-se antes que eu consiga entender as palavras. A cama, embora segura, parece uma ilha solitária em um oceano de escuridão, e eu luto para ancorar-me na realidade fugidia.

De repente, sinto braços masculinos envolvendo-me, como um abraço acolhedor que desafia o frio ao meu redor. Esses braços trazem uma sensação de segurança, afastando o gelo que me envolvia. Mesmo com a sala ainda mergulhada em sombras, a presença reconfortante do Morphileon cria um refúgio nesse ambiente sombrio. Por um instante, a confusão da inconsciência se dissipa diante do calor desse toque, e a linha entre sonho e realidade fica borrosa.

Sinto seus lábios em minha nuca, estão quentes como fogo.
_Eliza drene um pouco mais...
Ele sussurra entrelaçando seus dedos nos meus, sem diminuir um centímetro da distância de nossos corpos.
Eu concentro meu Eco e sem me mover sugo o máximo de Energia que consigo.

Desperto mais uma vez e me encontro sentada à beira da cama. Ele estende a mão gentilmente.
_Consegue?-ele pergunta. - Apoie-se.

Agora, totalmente consciente, minha visão permanece turva, e a sala parece dançar ao meu redor enquanto eu me esforço para encontrar meu equilíbrio, aceitando a mão que me oferece como um guia através do emaranhado de confusão.
Eu dou dois passos antes de sentir minha perna muito dolorosa e fraca.

Não consigo pisar.
Mas ele segura passando meu braço por sobre o ombro.
Sou apenas uma união de dor e fraqueza, enquanto guinchada até o banheiro.

Ele permanece ao meu lado enquanto entramos em uma banheira de água morna. Sentando-se, me acomoda em seu colo. Sinto a solidez de suas coxas sob mim, mas minha fragilidade atual suprime qualquer pensamento malicioso. Apenas permito-me ser envolvida pelo calor da água e pela segurança que ele proporciona, enquanto a mente se entrega à suavidade do momento.

Ele usa a mão para molhar meus cabelos, e o sangue envelhecido se mistura à água, criando uma cena de contraste. Inclinando-me sob seu peito, ainda confusa, busco apoio.
_Jorge,- murmuro, - minha cabeça está doendo muito...
Um instante de silêncio se estende, e percebo a tensão ao meu redor, como se cada fibra de seu corpo estivesse alerta.
_Marcelo,- ele responde com frieza, - meu nome é Marcelo.

Eu o encaro por um instante. Seu rosto brutalmente desenhado, com o queixo quadrado, me olha de volta com olhos negros mesclados de verde safira, revelando seu lado selvagem. Sua mão, firme ao segurar meu queixo, enquanto a outra me mantém na banheira com firmeza o bastante em seu colo

Este não é o Jorge, longe disso. O Jorge teria me entregue a outros cuidados e, provavelmente, estaria de alguma forma me responsabilizando por toda essa situação.

Minha mandíbula se contrai enquanto murmuro,
_Me desculpe.

Em seguida, desvio meus olhos, lágrimas fluindo, afundando-me nas lembranças intensas e dolorosas que agora me envolvem.

Ele responde suavemente,

_Está tudo bem, não precisa chorar. Você não sabia meu nome.

Enquanto suas palavras tentam confortar, o silêncio entre nós carrega uma tensão palpável. Seus olhos, intensos, capturam os meus, como se houvesse algo além das palavras querendo emergir naquele momento vulnerável.

Verdade, eu não sabia. Não conversamos mais; ele continua jogando água sobre mim. Em seguida, me veste, desviando seus olhos para minha nudez. Eu, porém, não faço o mesmo. Encaro seu corpo, imponente o bastante para me fazer sentir pequena, e o banheiro, de repente, parece encolher ao redor de nós. Quando retornamos para a cama, ele se deita ao meu lado.

O silêncio entre nós torna-se mais espesso, carregado com uma eletricidade inegável. Seus olhos, ao se encontrar com os meus, parecem segurar uma intensidade diferente, como se houvesse algo indomado e inexplorado entre nós. Cada movimento, cada toque, parece impregnado de uma tensão que transcende a simples proteção e cuidado.

Seguindo em silêncio eu novamente adormeço um sono que sinto ser o último de minha sequência de sonos restauradores.

Ao acordar, Emerson dorme aos meus pés, agarrado a uma arma. Quando ele chegou? O quão mal estive? Quanto tempo se passou?

Um balanço suave e cascos de cavalo batendo ao chão preenchem o ambiente. Uma carroça improvisada, coberta por uma espécie de lona preta, me leva. Decido ficar de pé e pulo para fora.

O ar fresco da manhã envolve-me, e os sons da jornada revelam um cenário que ainda não consigo decifrar completamente. Emerson, despertado pelo movimento, olha-me com olhos alertas, a arma pronta, enquanto a carroça continua a avançar pelo caminho desconhecido à frente.

Confusa e mancando, sigo o caminho oposto, muito lentamente, sentindo minhas pernas fracas.
_Pai!
o menino grita, e a carroça para abruptamente.

Tento me levantar, percebendo que estou vestida apenas com uma camisola rosa bebê, quase transparente. O choque da situação se entrelaça com a confusão, enquanto tento reunir meus pensamentos e entender o que está acontecendo ao meu redor.

O Emerson acabou de dizer "pai"? Não escuto nada, apenas sinto meu corpo sendo tirado do chão. Presa ao colo de Marcelo, ele me encara em seguida. Memórias de nossa última interação me invadem enquanto ele me devolve à carroça, seus passos se misturando entre meus tapas e protestos.

A tensão entre nós aumenta, carregada com a complexidade das memórias compartilhadas e a confusão do momento presente. O olhar de Marcelo parece esconder segredos não ditos, enquanto ele pega um copo velho e me oferece água.

Avanço sobre ela de forma sedenta, segurando o copo com as duas mãos.
_Você ainda está fraca demais para andar.
-Ele diz abrindo um pacote. - peguei essas provisões na fazenda nos dias em que ainda estávamos na cidade ainda estão boas.
Ele me entrega um pouco pão murcho.

_Logo chegaríamos a um lugar onde você estará segura.

Observo o anel em seu dedo mindinho. Mal consigo acreditar que ele é o mesmo que aquela fera.
_Você se recuperou? - pergunto.
_Eu me curo muito mais rapidamente do que um humano, - ele responde sem olhar para mim.

Sinto uma barreira entre nós. Pela primeira vez.
Não!
Ele não é mais meu amigo Morphileon. Agora, ele tem seus próprios problemas e interesses. Suas ganâncias, seus desejos. Não vai mais ficar todo o tempo ao meu lado. A dinâmica entre nós mudou, e a sensação de perda se entrelaça com a incerteza do que está por vir.
_Não sei para onde você pretendia me levar mas eu preciso voltar.

Seu olhar encontra o meu, por algum motivo de instinto, desvio os olhos no mesmo momento, quase em um reflexo.

_Gosta tanto dele a ponto de morrer em suas mãos?
Sua pergunta vai além da simples curiosidade; é mais uma acusação.

Quem dera! Se fosse isso, meu orgulho me ajudaria a superar, caso fosse o caso.
Entono um pouco de frieza, não permitindo parecer lastimável.
_Se eu não voltar, eu morro.

Refúgio BrutalOnde histórias criam vida. Descubra agora