ii. admirável chip novo

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No dia seguinte, Stella esperava por Brooklin na saída do colégio com o livro Otelo, O Mouro de Veneza em mãos, inquieta com a ideia de ir à casa de Brooklin. Enquanto esperava, Stella tentava distrair a mente com os diálogos que ela já conhecia da peça para a aula de teatro. Ela não podia negar que só sabia apreciar as boas obras literárias por conta da influência intelectual de seu pai, já que os textos de Shakespeare haviam sido temas de extensa pesquisa em sua vida acadêmica.

Stella leu superficialmente os primeiros atos, percebendo-se nervosa e aflita com o que estava por vir. Para não correr o risco de meter os pés pelas mãos outra vez, ela treinou tudo o que deveria dizer para Brooklin. Na melhor das hipóteses, Stella ficaria em silêncio e faria todo o trabalho sozinha para não precisar lidar com a estupidez de Brooklin Nicotina Babalu. Naquele dia, ela tentou ser otimista.

Quando Brooklin estava prestes a sair da aula de espanhol, um Mercedes-Benz Classe S preto parou a poucos centímetros de onde Stella estava. Não demorou muito e ela logo ouviu a conversa animada de Brooklin atrás dela, caminhando devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo. Pelo entusiasmo dela, Stella deduziu que ela estava falando sobre algum garoto de quem estava a fim. Ela mudou de assunto assim que se aproximou.

- Então a gente se vê na segunda - Brooklin finalmente disse, despedindo-se de Georgia com um abraço demorado e choroso. - Não acredito que não vou para Campos do Jordão com você. Mas não faz mal, ainda bem que vamos para Angra no próximo fim de semana. Dá um beijo naquele gostoso fardado por mim?

- Que nojo, Brooklin - Georgia empurrou a amiga com uma careta e começou a se afastar, mas não antes de acenar na direção de Stella. - Tchau, Stella. Boa sorte com essa cabeça de vento.

Brooklin suspirou enquanto observava a amiga entrar no carro que a esperava a cerca de um metro de distância, e então moveu os olhos para encarar Stella.

- E aí, animada para uma experiência antropológica?

Sem esperar por uma resposta, ela caminhou em direção ao Mercedes-Benz e abriu a porta quando o motorista estava prestes a sair do carro para fazer isso por ela. Ligeiramente desconcertado, ele pediu desculpas por não tê-la visto se aproximar. Sem se deixar afetar, Brooklin gesticulou para que Stella entrasse no carro, com um sorriso imperturbável nos lábios, antes de fechar a porta e entrar pelo outro lado, demonstrando bom humor e simpatia, enquanto Stella experimentava o tipo de conforto com o qual não estava acostumada ao sentar nos bancos de couro de um carro que valia mais do que sua casa.

O condomínio luxuoso no qual Brooklin morava ficava a vinte minutos do colégio, e todo o trajeto foi feito em relativo silêncio. Stella não queria arriscar dizer algo que pudesse, mais uma vez, ofendê-la, e ela não se incomodava com o silêncio. Brooklin, por outro lado, estava absorta e contente na bolha invisível que o celular da maçã mordida criava ao redor dela. A pessoa com quem ela conversava por mensagem conseguia entretê-la a ponto do sorriso estampado no rosto dela não se desfazer em nenhum momento. Ela estava radiante.

Brooklin morava em uma cobertura duplex na Rua Indiana, de onde era possível ter uma vista panorâmica da cidade. O queixo de Stella quase foi ao chão assim que saiu do elevador e se deparou com a sala de estar maior do que toda a sua casa. A mobília era em tons pastéis e de muito bom gosto; as paredes eram cobertas por pinturas valiosas de artistas renomados, alguns ainda vivos. Os olhos de Stella recaíram por um longo momento sobre a mulher alta que falava ao telefone na varanda.

- Stelloca, presta atenção - Brooklin quebrou o encanto ao puxá-la pelo braço para que ela a olhasse. - Nem um pio sobre aquela nossa conversa de ontem para a minha mãe. Você acha que sabe o que eu faço, mas não sabe, então bico fechado.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora