xxxix. seus lábios se movem, mas não consigo ouvir o que está dizendo

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Stella estava atrasada para o próprio casamento. Depois de uma noite mal dormida, ela teve dificuldades em acordar pela manhã para se preparar para o que deveria ser o seu segundo grande dia. O terraço já estava decorado com arranjos de flores, balões e velas aromatizadas espalhadas por todo o ambiente. Brooklin queria se casar à noite, quando as luzes da cidade substituíam a luz natural do dia, sob as estrelas mais brilhantes do céu.

Com muito custo, ela se deixou maquiar, sentindo o tão familiar desconforto com a proximidade da maquiadora, enquanto seu cabelo recebia os cuidados de um profissional. Com a ajuda da mãe, ela colocou o vestido de manga longa com detalhes de flores bordados à mão. O tempo todo ela se imaginava em um lugar distante. Por um momento, ela sentiu uma repentina trepidação ao se imaginar casada. Quando pensou em desistir, Stella se deu conta de que do outro lado Brooklin a esperava. Não havia para onde correr. Ela estaria condenada a fugir para sempre se o fizesse. Em alguns anos ela nem se lembraria daquele dia.

Quando estava de frente para Brooklin, Stella finalmente sorriu ao se dar conta de que o vestido de noiva dela parecia uma versão elegante de uma camisola, o que a fez mergulhar no lago cristalino que eram as lembranças de tempos antigos. Longe de parecer uma indigente, Brooklin agora parecia ter saído direto da revista Vogue Noiva. Aquela constatação, por si só, foi o suficiente para mudar o foco dela enquanto eram induzidas a repetir as falas do juiz de paz diante dos vinte convidados. Apesar de ter consciência de que os pais lacrimejavam vez ou outra, Stella se ocupava em abafar os ruídos, os cheiros, a voz estridente do juiz de paz.

O decote generoso de Brooklin chamou a atenção de Stella para o colar que ela usava ao redor do pescoço, com um pingente de letra, e também ao trio de brincos de estrelas que adornavam as orelhas dela. Havia tanta coisa a ser assimilada. Stella, no entanto, ateve-se ao tecido reluzente do vestido de noiva, tão branco, tão macio e suave, que Stella pensou estar tocando aquele sonho mais oculto de sua juventude. Ela estava tão longe, e o silêncio era tudo o que restava.

Stella só voltou a prestar atenção ao que acontecia ao redor dela quando Brooklin apertou suas mãos, de modo que a fez piscar lentamente até enxergá-la outra vez. O olhar confuso e preocupado de Brooklin buscou compreender o que havia de errado com ela.

— Tudo bem? — ela articulou com a boca sem emitir som, e Stella acenou sutilmente com a cabeça a tempo de ouvir o juiz de paz recitar uma das poucas frases das quais se lembraria antes de finalmente declará-las casadas.

— Porque, no final, não posso deixar de recorrer ao que nos ensinou Stendhal sobre o amor, "basta um grau muito pequeno de esperança para que o amor nasça".

Então, ao som de gritos e palmas, Brooklin a puxou pelas mãos para oficializar a união com um simples roçar de lábios que não durou mais do que um breve instante. Tomada por uma súbita curiosidade, por um devaneio quase febril que encobriu os olhos embaçados de Stella, ela segurou o rosto de Brooklin entre as mãos para impedi-la de se afastar, rendendo-se ao instinto feroz de beijá-la de verdade.

A reação inicial de Stella foi de indiscutível surpresa ao constatar que Brooklin não tinha lábios apressados tampouco desagradáveis. O hálito era inexplicavelmente fresco para quem passou muitos anos da vida cultivando hábitos deploráveis. Pela primeira vez em muito tempo, Stella experimentou a sensação inconfundível do prazer que era beijar uma mulher. A surpresa de Stella se estendeu então para o fato de que Brooklin sabia o que fazer, como também sabia como e onde segurá-la.

Foi somente quando sentiu a língua de Brooklin encostar na dela que Stella se deu conta do que estava acontecendo. Com a respiração ligeiramente ofegante, ela finalmente voltou a si e quase não acreditou no que saiu de sua própria boca ao se deparar com os olhos azuis e libidinosos de Brooklin.

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⏰ Última atualização: Oct 18 ⏰

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