iii. lista de pequenas coisas que desagradam

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Stella acordou com uma movimentação atípica do lado de fora de seu quarto. Com os olhos entreabertos, ela tentou identificar de onde vinha toda aquela comoção. Ela precisou de um minuto para reconhecer a voz distinta e animada que parecia se juntar às vozes dos pais no andar de baixo. Otelo estava em casa.

Stella pulou da cama quando a risada escandalosa do irmão mais velho se espalhou pelos corredores da casa. Ela abriu a porta do quarto e quase tropeçou em Amora ao descer as escadas para encontrar o irmão.

— Bom dia, meu amor — o pai de Stella deu um beijo no topo da cabeça dela e então subiu as escadas para dar banho no filho mais novo no banheiro do andar de cima.

Noah não era de balbuciar pela manhã. Na verdade, o menino era uma criança de poucas palavras, comunicando-se somente quando sentia vontade. Stella não se deu o trabalho de cumprimentá-lo ao vê-lo passar com o pai. Em vez disso, concentrou-se em quem era lépido e espirituoso.

— Não são nem oito horas da manhã e o Otelo já chega trazendo o caos para esta casa. Como isso é possível? — Stella resmungou assim que colocou os olhos na figura alta e esguia do irmão, que irradiava a costumeira energia jovial e expansiva. — Só para você saber, eu estava no meio de um sonho maravilhoso e vocês arruinaram o meu momento com todo esse tumulto horrendo.

— Como reclama essa garota — ele disse com um sorriso zombeteiro. — Caramba, Linha. Que mau humor logo cedo.

— Para de me chamar assim — ela quase rosnou. — Você sabe que eu odeio quando me chamam no diminutivo, e esse apelido é tenebroso.

De todos os apelidos que Otelo tinha para ela, aquele era o que mais aborrecia Stella. O que começou com Estrelinha, quando Stella ainda era criança, evoluiu para Linha com o decorrer dos anos. Ninguém entendia o porquê de Stella ficar tão chateada, mas a verdade era que, assim como sua mãe, Stella não era uma grande fã de apelidos.

Apesar do mau humor, Stella não conseguiu resistir quando Otelo perguntou se podia abraçá-la apertado, como ele sempre fazia desde que ela era criança. Ela não podia negar que sentia falta de se irritar com a costumeira agitação do irmão. Embora tentasse disfarçar, Stella era introvertida demais para o próprio bem. Ela não gostava de abraços inesperados, tampouco de contato físico prolongado. Não havia nada que a agradasse mais do que ter sua dose diária de sossego e de silêncio. No fim das contas, tudo o que Stella queria era ser deixada em paz com sua rigorosa rotina de estudos e tutoria.

Desde que começou a estudar no Colégio Integrado da América, Stella percebeu uma forte tendência de mercado. Em quase três anos, conseguiu monetizar seu esforço ao começar a vender resumos para as provas bimestrais, além das aulas particulares que dava para os mais ricos e estúpidos. Ela era uma das poucas bolsistas do América e, por isso, precisava se dedicar o dobro para conseguir se manter no mesmo patamar daqueles que já tinham todo um futuro garantido na palma das mãos.

— Você não muda mesmo, não é? — ele deu uma risadinha conformada, balançando a cabeça com bom humor.

A mãe de Stella ressurgiu da cozinha com um copo de café nas mãos, vestindo pijamas de pinguim e um gorro por cima dos cabelos castanhos e cacheados. Embora o pijama a fizesse parecer pequena, Patrícia media um e sessenta e nove, sendo, portanto, catorze centímetros mais baixa que o pai de Stella.

— Otelo, por que você já não coloca as suas coisas no quarto do Noah? — a mãe de Stella sugeriu com a voz calma, quase robótica, antes de se sentar no sofá para continuar assistindo ao Bom dia São Paulo.

— Vou lá perturbar o menino.

Otelo tirou a mochila das costas e a levou para o quarto no andar de cima pela alça, murmurando uma gracinha para Patrícia antes de desaparecer escada acima. Depois de um semestre inteiro sem uma única visita sequer, Otelo estava em casa para passar alguns dias com a família antes de ir para a casa da mãe em Santo André, onde ele morava até ter que se mudar para Botucatu para estudar Engenharia Agrônoma.

No Final Tudo Faz SentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora